Loe raamatut: «O Homem Que Seduziu A Mona Lisa»
NA OCASIÃO DO QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO
DA MORTE DE LEONARDO DA VINCI
O homem
que seduziu
a Mona Lisa
UM ROMANCE DE
DIONIGI CRISTIAN LENTINI
Tradução de André Spiller Fernandes
A história aqui narrada é fruto da pura fantasia e imaginação do autor.
As informações e referências históricas contidas nesta obra têm por fim apenas conferir veracidade à narrativa.
Qualquer referência ou semelhança a fatos, episódios ou lugares reais é mera coincidência.
1ª PUBLICAÇÃO EM ITALIANO – Julho de 2019
2ª PUBLICAÇÃO EM ITALIANO – Novembro de 2019
1ª PUBLICAÇÃO DE E-BOOK EM ITALIANO – Julho de 2019
2ª PUBLICAÇÃO DE E-BOOK EM ITALIANO – Novembro de 2019
[Na ocasião do quingentésimo aniversário da morte de Leonardo da Vinci]
Esta obra é protegida pela lei de direitos autorais.
É proibida qualquer reprodução não autorizada, mesmo que parcial.
Dionigi Cristian Lentini ©2020
A meu tio,
Dom Giovanni Lentini
Prólogo
“Oi, garanhão ;-) Essa noite você foi fantástico. Não pense demais nisso: não se pode ser John Holmes sempre… :-) Assim que chegar no escritório, te mando algo sobre aquele frei galante de que te falei. Bom dia.”
Esta foi a mensagem que Francesca lhe acabara de enviar enquanto seguia para a abadia em seu velho conversível a gás.
Nem tinha ouvido chegar a notificação. Ele estava falando pelo viva-voz com o professor De Rango, que, pela 33ª vez, recomendava que fizesse um bom trabalho e, sobretudo, que cumprimentasse o padre Enzo, abade amigo do reitor… e de sabe lá quantos outros diretores e dirigentes.
– É incrível que a rede de celulares seja tão capilarizada nesta zona perdida na montanha – pensava.
Depois de exatos 27 segundos, decidiu acionar o plano de emergência previsto em tais ocasiões pelo procedimento de sobrevivência aos enchedores de saco…….: “simulação de súbita perda de sinal com status indisponível pelos próximos 30 minutos.”
Cláudio, quarentão, pesquisador temporário no Instituto de Informática e Telecomunicações do Conselho Nacional de Pesquisa de Pisa, com oito anos de contratos temporários no currículo, foi enviado com urgência para uma missão daquelas que os anglo-saxões chamam de “Damage assessment and disaster recovery”, basicamente uma intervenção para avaliar os danos e recuperar os dados do arquivo digital da velha abadia toscana que, 48 horas antes, sofrera um ataque cibernérico de um entusiasmado hacker russo.
Obviamente, a ideia de passar a semana inteira em uma biblioteca medieval, recuperando pergaminhos digitalizados, reinstalando sistemas operacionais, analisando discos de preces e cantos gregorianos (sem talvez sequer um filminho pornô), enquanto o mundo lá fora se ocupa com blockchains e criptomoedas, entusiasmava-o imensamente.
No último ano, ainda não havia produzido nenhum artigo científico. Não por falta de pesquisa ou resultados concretos… talvez simplesmente porque ainda não havia encontrado nada que realmente valesse a pena compartilhar com o resto do planeta. Por isso, era sempre humilhado por seus colegas, que, diferentes dele, publicavam e patenteavam cada flatulência que emitiam depois de comer feijão pelos restaurantes da região.
Enfim, naquela manhã, nem o CD de Hotel California dos Eagles conseguia alegrá-lo.
Chegou ao topo da abadia às 9:37, quando as guitarras de Don Felder e Joe Walsh terminavam um dos solos mais belos da história do rock.
– Oh, doutor, bem vindo a nossa casa. O reverendíssimo padre esperava-o ontem… venha, venha, explico-lhe tudo.
Um cordial, embora alarmado frei recebeu-o, indicando o caminho para o arquivo violado.
A situação era menos grave do que se podia imaginar: o servidor principal estava indisponível, um trojan ransomware havia cifrado muitas informações com chave AES a 2048 bit e solicitava um resgate de 21 bitcoin. A maior parte dos freis não sabia sequer o que era um ransomware ou um bitcoin, mas felizmente a restrição (read/right only) de autorização de acesso aos arquivos de backup estava mantida… além disso – e depois dizem que os monges não são sortudos – a última cópia disponível feita pela sincronização automática de backup era de apenas 16 horas e 18 minutos antes do ataque. Enfim, se não estivesse em um lugar sagrado, nosso pesquisador teria certamente dito: “que m…!”
Portanto, a maior parte estava salva. Tratava-se apenas de eliminar a infecção e restaurar cerca de 9 terabytes de manuscritos e livros digitalizados, transferindo manualmente do disco de cópia ao principal. O que irritava Cláudio ainda mais era que essa operação podia ter sido feita de Pisa, evitando assim que seu já experimentado paladar entrasse em contato com os nutritivos pratos daquele famigerado restaurante com três estrelas Michelin chamado “refeitório”.
Assim, depois de apenas quatro horas, dadas as instruções necessárias para a recuperação do host ao frei que lhe pareceu mais esperto, Cláudio retirou do rack o estritamente necessário, carregou tudo no carro e voltou para casa.
Ah, nesse meio-tempo, voltou o sinal do celular, e ele recebeu duas mensagens:
A primeira, do simpaticíssimo professor De Rango, dizia:
“Nem os maiores ordinários fazem uso de tais artifícios! O telefone aí pega muito bem! Entendi que te enchi o … mas é importante! Me avise assim que tivermos resolvido. Obrigado.”
– Sim, “tivermos” – pensou.
A segunda, de Francesca, tinha uma foto de um pedaço de jornal de dezoito anos antes.
Sua namorada, sabendo da ida de Cláudio àquele monastério, conseguiu encontrar nos arquivos do jornal local em que trabalhava uma cópia do artigo que reconstituía o tenebroso caso da morte do padre Sérgio, um jovem frei sedutor assassinado por um marido ciumento que não se conformava com as confissões tão frequentes da mulher.
O cadáver foi encontrado na frente do retábulo, em um horripilante cenário que lembrava um pouco O Código da Vinci e Seven, e um pouco O Nome da Rosa e Instinto Selvagem.
O caso havia sido arquivado, mas ninguém conseguiu compreender o que queria dizer o escrito em sangue "sinemensura" que o luminol da equipe forense encontrou na batina do pobre religioso.
Provavelmente, na verdade quase com certeza, se não houvesse lido aquele artigo, com outros 370000 arquivos para analisar e a final de Roland Garros na televisão, o pesquisador não se teria detido naquela pequena pasta, no último disco, chamada "padre Sérgio".
Nela, dezenas de arquivos com poesias de amor, fotos de belas jovens e apenas um arquivo com extensão ".axx", um formato criptografado e protegido com senha.
Cláudio sabia bem que a probabilidade de adivinhar a chave de acesso (11 caracteres sobre 95 possíveis) estava perto dos 0,0000000000000000000175% e que, com um ataque de força bruta de 100.000 tentativas por segundo, poderia levar cerca de um bilhão e 803 milhões de anos para descobri-la. Porém, uma vez na vida, deixou os números de lado e decidiu tentar apenas uma vez: digitou "sinemensura" e, como um pirata diante de um baú, descobriu a mais bela história que já leu.
I
A Guerra de Ferrara
Novembro de 1482
O vento frio daquela noite de inverno não atingia os pássaros do Castelo de San Giorgio tanto quando o vento da paixão se alastrava nas suas veias pulsantes. Era o mês de novembro do ano de 1482, Mântua estava fria e deserta… e Beatriz estava deitada na cama de seu quarto com o olhar sonhador, fixo nas águias imperiais do teto… e uma redescoberta imaginação enchendo a mente… inexprimíveis pensamentos que, para uma mulher de sua categoria, beiravam a indecência. Ela sabia que quando o falatório dos Gonzaga tivesse cessado no piso nobre ele, aquele fascinante diplomata que lhe tomava o juízo, chegaria indiferente à – se não se aproveitando da – imprudente ausência do primo dela, também seu esposo prometido (o marquês, com seu pai, combatia há dois dias sob os muros de Ferrara pela estrênua defesa da Casa do Leste, ameaçada pelos venezianos do conde Roberto de San Severino).
Acontece que Girolamo Riario, ambicioso senhor de Ímola e Forlì, fortalecido pelo mecenato de seu tio Sisto IV e com o declarado objetivo de apossar-se em breve do ducado de Hércules d’Este, conseguiu persuadir o doge de Veneza da necessidade de entrar em guerra com Ferrara, que ameaçava, há algum tempo, o monopólio do comércio de sal no Polesine.
A Casa do Leste, certamente mais refinada que militarizada, relacionava-se, não por acaso, com o rei de Nápoles (Hércules casara-se com Eleonora, a filha de Fernando de Aragão) e soube construir alianças com o senhorio italiano circundante, entre os quais também Ludovico Maria Sforza, vulgo o Mouro, ao qual o duque de Ferrara prometera uma de suas filhas em casamento em tempos de mais inocência.
Assim, a península dividiu-se em dois blocos armados rivais: de um lado, o Estado Pontifício, com Sisto IV, Ímola e Forlì com Riario, a República de Veneza, a República de Gênova, o Marquesado de Monferrato e o Condado de San Secondo Parmense; do outro, o Ducado de Ferrara de Hércules d’Este, o Reino de Nápoles de Fernando de Aragão, o Ducado de Milão de Ludovico, o Mouro, o Marquesado de Mântua de Frederico Gonzaga, o Ducado de Urbino com Frederico de Montefeltro, o Domínio de Bolonha, controlado por Giovanni Bentivoglio, e a República de Florença, com Lourenço de Médici.
Depois do verão, as tropas venezianas estavam em clara vantagem: haviam conquistado Rovigo, cercado Ficarolo, tomado Argenta, e agora fechavam o cerco também em Ferrara. A situação tornara-se ainda mais crítica para os lestenses desde que, em setembro, morreu de malária o líder mais experiente da coalizão antiveneziana: o famigerado Frederico de Montefeltro.
Inexpectate, o pontífice, que no meio-tempo havia derrotado os napolitanos em Campomorto, de repente decidiu pôr fim às hostilidades unilateralmente, engajando-se em negociações com o rei de Nápoles. Ludovico o Mouro, exercendo a diplomacia, conseguiu convencer os conselheiros mais próximos ao Santo Padre que a rápida expansão da sereníssima República na Itália setentrional podia ser perigosa e ameaçar tanto Milão quanto Roma. Portanto, continuar naquela onerosa guerra apenas para satisfazer as loucas ambições de Riario não era conveniente para ninguém.
Acontece que Veneza, a um passo da vitória definitiva, não tinha nenhuma intenção de ceder, querendo, pelo contrário, dar o golpe final antes que o inverno ficasse ainda mais rigoroso.
Naquela tarde, os venezianos, aproveitando uma manobra descuidada dos adversários, haviam decidido lançar um ataque do norte sobre as guarnições de Francesco Gonzaga, o qual buscava formas de resistir à força de ataque adversária, concentrado mais do que nunca na estratégia de defesa e absolutamente alheio ao que acontecia nos incensados aposentos de seu belo palácio…
Apenas dois toques na porta: pareceram à jovem apaixonada o dobrar de um sino, como o grave pêndulo de sua mente, que oscilava entre o extremo pudor e a extrema audácia.
A verdadeira coragem não era o desdém ao perigo do marquês, entre as balestras e os mosquetes, mas sim empunhar aquela chave, girá-la e permitir que seu amante atravessasse aquele limiar, último baluarte de um coração já profanado.
Enquanto o fogo da lareira alongava a sombra da porta que se abria, e o impávido cavalheiro a adentrava, Beatriz voltou-se de súbito, deixando cair sensualmente no chão uma pérola de seu chapéu.
– Diga-me que não é pecado – suplicou.
Ele inclinou-se lentamente, apanhou o pingente, apertou-o nas mãos e, acariciando-lhe o pescoço com os lábios, sussurrou a primeira, a única frase daquela noite:
– Certamente o é, mas não o cometer, desperdiçando este momento, o seria ainda mais.
Naquele instante, fechou os olhos e, ignorante da amarga notícia que chegaria no dia seguinte do campo de batalha, voltou-se de mansinho e rendeu-se à paixão. Enquanto seu prometido vinha humilhado pela cavalaria veneziana, ela, amazona montada, exaltava-se, livre para uma noite em que podia ser ela mesma.
Assim, quando cessou o derradeiro estrépito de espada no campo de batalha e a última cepa de lenha do quarto extinguiu-se, a aurora veio comunicar a cada vez mais iminente queda de Ferrara, mas apenas mais uma conquista de Tristano Licini de Ginni.
II
O Jovem Tristano
De Bergamo a Roma
Tristano era um distinto moço de 22 anos, brilhante, culto e refinado. O corpo esbelto e as proporções físicas lhe conferiam o que se chamaria de "uma boa aparência". Apesar da pouca idade, já era um influente diplomata dos Estados Papais e, portanto, tinha bom trânsito em todas as cortes italianas. No entanto, não possuía uma sede fixa, mas era enviado de tempos em tempos pela Santa Sé em missão perante o senhorio da península (e não apenas estes), por vezes à revelia dos embaixadores oficiais, para tratar de questões mais delicadas, reservadas ou mesmo secretas. Todos os senhores e notáveis interlocutores sabiam que falar com ele equivalia a conferenciar diretamente com o Santo Padre, no entanto não possuía nenhum título de nobreza, seu passado era por todos desconhecido, seu nome não aparecia jamais em documentos oficiais, vestia-se muito melhor que muitos condes e marqueses, mas não ostentava no peito condecorações e brasões. Demonstrava meios financeiros quase ilimitados, mas não era filho de nenhum banqueiro ou mercador; transitava com desenvoltura na política, mas nunca deixava traços; escrevia a História todos os dias, mas não aparecia nunca em suas páginas… estava em todas as partes, contudo, era como se não existisse.
Nos três primeiros lustros de vida, viveu na província de Bérgamo, na fronteira com os territórios da República de Veneza, onde recebeu uma boa formação cultural e uma pouco convencional educação sentimental e sexual. Órfão de pai desde criança e, quando pouco mais que adolescente, também de mãe, vivia com o avô, um velho nobre cansado e em decadência que, apesar de tudo, ostentava sempre com orgulho um casarão ao estilo de Frederico II e, no tempo das Cruzadas, estabeleceu laços de parentesco com membros de famílias toscanas tão notáveis quanto já praticamente extintas. O ancião conservava, no entanto, um certo respeito no povoado e no condado, o que refletia também sobre o jovem Tristano. Quando em idade escolar, foi entregue aos cuidados primeiro dos dominicanos, depois dos franciscanos, revelando desde cedo propensão para a lógica e a retórica, embora todo domingo de manhã enfurecesse os tutores por preferir a angélica visão da chegada das noviças na igreja ao estudo dos clássicos gregos e latinos. Às vezes parecia lúgubre em razão da ausência dos pais, mas nunca rabugento. Tinha um temperamento vibrante, mas era sempre contido; um ar astuto, mas nunca impertinente, e feições virtuosas que lhe faziam benquisto por todos no povoado, sobretudo os senhores.
Acabara de completar 12 anos quando algo que mais tarde viria à tona com frequência em seus sonhos de adulto lhe abriu um novo mundo, um acontecimento muito longe das regras monásticas a que estava habituado e das virtudes cardinais sobre as quais lia todos os dias nos livros: era uma tarde quente no começo do verão, as portas e janelas do scriptorium da biblioteca estavam abertas para que a corrente de ar deixasse as leituras menos pesadas. Tristano tinha na mão um tomo sobre Santo Agostinho de Hipona que lhe fascinava em particular e, abancado em um gabinete próximo à janela, preparava-se para mergulhar nas gravosas cartas quando percebeu na rua uma movimentação estranha para aquela hora: Antônia, viúva desconsolada, avançava rápida do pátio da igreja à rua deserta, arrastando sua pobre filha, que há poucos anos havia aprendido a caminhar.
A jovem infeliz parecia querer chegar ao destino despercebida; pouco tempo depois, com ares cada vez mais circunspectos, desviou sua trajetória um pouco à direita e, assim que chegou ao estabelecimento do boticário, entrou. Logo depois, o proprietário, inclinando-se na soleira, lançou um olhar rápido para os dois lados e fechou a porta, que só reabriu meia hora depois, para saírem mãe e filha. Essa movimentação repetiu-se quase idêntica nos sábados seguintes, até que a tentação de a investigar a fundo se tornou irresistível para o adolescente.
Foi assim que planejou esconder-se em um baú que um empregado de seu avô usava para fornecer odres de água de nascente à esposa do boticário, uma rica senhora que, junto de sua filha, preparava os destilados, águas florais e perfumes. Assim que o carregamento estava pronto, Tristano esvaziou o equivalente de seu peso e entrou no baú, deixando que o empregado carregasse tudo no carro e, ignaro, fizesse o transporte até a drogaria, como o fazia habitualmente.
Uma vez lá, escondido em seu cavalo de madeira, como Ulisses em Tróia, esperou que o ajudante do boticário se afastasse para pagar o empregado, saiu do baú e escondeu-se entre os sacos de cereais e ervas armazenados na sala. A partir daí, bastava esperar… E de fato, pouco depois que soaram nove badaladas no campanário da igreja, a bela Antônia, acompanhada da pequena, ingressou pontual na penumbra; a esperá-la na porta estava o cortês alquimistas, que, como um lobo na presa, atirou-se ao generoso peito e conduziu-a através do portal. Enquanto fechava a porta com a mão direita, com a esquerda tateava sob a veste da senhora, a qual, soltando a mão da pequena, se livrava ao mesmo tempo da touca que segurava seus longos cabelos acobreados.
O jovem espiava incrédulo o que acontecia em meio àquele êxtase de ervas Médicinais, temperos, raízes, velas, cartas, tintas, cores… Depois dos primeiros afagos, o boticário largou a presa e deu-lhe apenas tempo suficiente para que a jovem mãe acomodasse melhor a filha em uma cadeirinha com uma boneca de retalhos, depois pegou-lhe a mão e, enquanto a conduzia aos fundos, perguntou sarcástico:
– Então, o que você contou hoje ao padre Berengario no confessionário?
O fervor entre os dois retornou ainda mais forte: entre risinhos e sussurros, seguiram os gemidos; mal o audaz espião afastou a cortina, viu o sexo dos amantes entre ervas, sementes, perfumes, águas aromáticas, óleos e unguentos…
Começou assim sua educação sexual, que logo fundamentou, como qualquer disciplina que se preze, com a teoria (buscando alguns textos que seus tutores consideravam proibidíssimos) e com a prática (provocando inquietações e dúvidas em algumas noviças).
Sua primeira relação completa com uma mulher foi com Elisa di Giacomo, a filha mais velha de um cavalariço que trabalhava na propriedade. Dois anos mais velha, a bela Elisa acompanhava Tristano de bom grado em longos passeios por trilhas em montanhas, seduzida por suas histórias e projetos… muitas vezes, os dois acabavam por namorar em uma cabana ou um abrigo da região.
De fato, estavam juntos no dia de vindima em que um bando de soldados estrangeiros surgiu a galope de repente no meio da festa, passou por trabalhadores alarmados e circundou a cabana. O soldado de mais alto grau, com uma armadura cintilante como nunca se vira naquelas partes, desceu do cavalo, levantou o elmo e, derrubando a porta com um chute, para o total embaraço dos namorados, entrou:
– Tristano Licini de Ginni?
– Sim senhor, sou eu – respondeu o jovem, recolhendo as calças e tentando esconder com seu corpo o corpo seminu da companheira aterrorizada -, vocês quem são, senhores?
– Meu nome é Giovanni Battista Orsini, senhor de Monte Rotondo. Vista-se! O senhor deve acompanhar-me imediatamente a Roma. Seu avô já foi informado e consentiu que o senhor deixe este local e se mude o quanto antes para a residência de meu nobre tio, Sua Senhoria Ilustríssima e Reverendíssima, o cardeal Orsini. Minha missão é escoltá-lo, mesmo que à força, até sua santa pessoa. Peço-lhe que não resista e me siga.
Então, arrancado de seu microcosmo provincial, onde havia encontrado algum equilíbrio, com apenas 14 anos, Tristano deixou para sempre aquelas pobres terras de frágeis fronteiras para alcançar e renascer homem naquela cidade que Deus escolheu Sua sede terrena, na eterna Urbs dos Césares, na caput mundi…
Após 7 dias de viagem extenuante, chegou exausto na residência cardinalícia de Monte Giordano. O jovem hóspede foi logo entregue aos cuidados de um criado e pouco depois levado à presença do ilustríssimo cardeal Latino Orsini, membro de destaque da facção guelfa romana, sumo camerlengo e arcebispo de Taranto, antigo bispo de Conza e arcebispo de Trani, arcebispo de Urbino, cardeal-bispo de Albano e de Frascati, administrador apostólico da arquidiocese de Bari e Canosa e da diocese de Polignano, bem como senhor de Mentana, Selci e Palombara, etc.
No breve trajeto, Tristano perscrutava os olhares severos dos bustos de mármore dos ilustres antepassados do nobre casarão, dispostos em prateleiras com imagens de leões e rosas, emblema dos Orsini. As interrogações em sua cabeça cresciam sem parar, perseguiam-se, amontoavam-se.
Aquele salão de janelas separadas por pilastras, sob tímpanos curvilíneos com cabeças de leões e pinhos, águias coroadas, bisciones de viscondes, etc., pareceu-lhe infinito.
Sua Graça estava no poeirento escritório, ocupado assinando dezenas de papéis que dois diáconos imberbes lhe submetiam com perícia.
Tão logo se deu conta da chegada do jovem, levantou devagar a cabeça, girando-a de leve para a entrada; lentamente, com o olhar fixo no rapaz e mantendo o cotovelo sobre a mesa, levantou o antebraço esquerdo, com a mão aberta, antecipando-se ao seu ajudante que lhe estendia outros documentos. Levantando-se, aproximou-se sem pressa do jovem, como se buscasse o melhor ângulo para apreciar-lhe melhor as feições; acariciou-lhe o rosto com graça, debruçando-se sobre o queixo.
– Tristano – sussurou – finalmente, Tristano.
Depois colocou uma mão na cabeça e com a outra abençoou-o, traçando uma cruz no ar.
O rapazinho, embora detido por uma mistura de temor e reverência, observava-o fixamente, para tentar perscrutar qualquer pequeno movimento da boca e dos olhos que denunciasse o motivo de sua mudança imediata. O cardeal, segurando o precioso crucifixo que lhe ornava o peito, virou-se de chofre para a janela e, avançando, antecipou-se dizendo:
– Você tem o olhar esperto, rapaz. Certamente se pergunta por que essa mudança coerciva a Roma…
Depois de uma brevíssima pausa, continuou:
– Ainda não chegou o momento de sabê-lo. Ainda não… Saiba apenas que se você está aqui, é para seu bem, para sua proteção e para seu futuro. E ainda para o seu bem-estar e o da Santa Igreja Romana, é melhor que você não saiba. Nestes tempos sombrios, mentes insanas e talvez diabólicas conspiram juntas contra o bem e a verdade. Sua mãe o sabia. Esse rosário que você tem no pescoço é dela, nunca o tire. É a proteção dela, a bênção dela.
E continuou:
– Se há algo de precioso em você, deve-o apenas a ela, que com a carne o deu à luz a esta vida temporal e com o coração à vida eterna. Ela, em seu infinito amor materno, antes de retornar a nosso Senhor, deu você aos cuidados de Nossa pessoa e, desde então, guardamos um obscuro segredo que lhe será revelado quando chegar o tempo, e apenas então. Veritas filia temporis.
– Senhor, lhe peço – intervia agora Tristano com a voz trêmula – como qualquer bom cristão, preciso conhecer a verdade.
E, segurando o coração acelerado com a força da coragem, adicionou:
– A vida dos santos, sobretudo de Santo Agostinho, nos ensina a buscar a verdade, a mesma que agora o senhor me esconde.
O clérigo voltou-se de chofre e, dirigindo-se com o olhar severo, mas quase satisfeito com a reação do adolescente, replicou:
– Respondo-lhe como Ambrósio de Milão fez aos que indignamente você gosta de citar: “Não, Agostinho, não é o homem quem busca a verdade, deve-se deixar que a verdade o encontre.” E como acontecia então com o jovem de Hipona, o seu caminho para a verdade apenas começou.
Antes que qualquer um ousasse dizer outra palavra, mirou o acompanhante e concluiu imperativo:
– Agora podem ir.
Tristano, mudo e atordoado, foi acompanhado à porta. Após alguns dias, revigorado e trajado de acordo com aquela casa secular, do Mons Ursinorum foi transferido ao seguimento do sobrinho do cardeal.
Giovanni Battista, não obstante os insistentes protestos do jovem, jamais deu explicações satisfatórias para aquelas misteriosas reticências (talvez não o soubesse ou talvez lhe fora imposto o silêncio), mas se limitou a cumprir completamente a missão dada por seu tio, iniciando logo o órfão na melhor formação diplomática… tendo modo de constatar que o rapaz não tinha a menor inclinação para a vida mística e religiosa.
Tristano, na intimidade das noites, às vezes tornava às palavras daquele primeiro encontro com o cardeal Latino, impotente ante tantos por quês que lhe tomavam a mente: por que não podia ou não devia saber? Por que e de quem devia ser protegido? Por que sua pobre mãe conheceria e teria confiado a tão ilustre clérigo um segredo que dizia respeito a ele? Por que aquele segredo era tão perigoso tanto para ele quanto para toda a Igreja?
Às vezes lembrava dos lugares e das pessoas de sua infância, mas, tendo sido entregue permanentemente por seu único parente em vida aos cuidados daquele novo ilustríssimo tutor, não podia deixar passar a oportunidade de pôr à prova tudo o que havia escutado dos padres dominicanos; concentrou-se, portanto, nos estudos e adaptou-se logo aos ambientes eclesiásticos romanos, às suntuosas acomodações da Cúria, aos colossais monumentos, aos majestosos edifícios, aos fartos banquetes…
… tempora tempore, era como se aquele estilo de vida lhe tivesse sempre sido familiar. Não passava um dia sem ter novas experiências; não passava um dia sem adicionar noções novas à bagagem cultural; não passava um dia sem conhecer pessoas novas: príncipes e criados, artistas e cortesãos, engenheiros e músicos, heróis e missionários, parasitas e covardes, prelados e prostitutas. Um aprender da vida contínuo e inesgotável…
Conhecer o maior número possível de pessoas, de todas as classes, de todas as origens, de todos os estratos, de todas as culturas, de todos os credos, de todas as linhagens, entrar em seus mundos, reter informações úteis, analisar cada pequeno detalhe, perscrutar a fundo cada alma humana… era a base de sua profissão. E esta aparentemente tornava-o amigo de todos. Na realidade, na multidão de homens e mulheres que conheceu ao longo de sua vida, o diplomata podia contar com pouquíssimos verdadeiros amigos, três dos quais conheceu naqueles anos. Guardava um íntimo segredo de cada um deles.
Jacopo, monge beneditino, grande alquimista, estudioso de botânica, misturas, poções, perfumes, mas também criador de ótimos licores e digestivos. Compartilhava com Tristano a paixão pelos clássicos patrísticos e a busca filosófica da verdade. Ainda muito jovem, matou seu mestre com um alambique, um velho pedófilo que abusava sistematicamente de seus pupilos. O cadáver, dissolvido em ácido, jamais foi encontrado.
Verônica, criada por sua mãe em um bordel veneziano, já havia em tenra idade aprendido a arte da sedução que praticava há alguns anos em Roma; sua casa era frequentada por pintores, letrados, militares, ricos mercadores, banqueiros, condes, marqueses e, sobretudo, prelados de alto escalão. Não tinha mais nenhuma família no mundo, exceto uma irmã gêmea que jamais conheceu e cuja misteriosa existência era conhecida só por Tristano.
Ludovico, filho e ajudante do alfaiate pessoal da família Orsini, refinadíssimo, criativo, extravagante, extrovertido, especialista em tecidos e acessórios os mais variados, sempre inteirado das novidades e tendências vindas dos estados italianos e europeus. Seu segredo?… sentia-se mais atraído sexualmente por homens que por mulheres e, mesmo que nunca tivesse ousado manifestá-lo, nutria uma admiração e um afeto particular por Tristano que por vezes ultrapassava a mera amizade.
Sempre que podia, livre das obrigações da Cúria, entre uma missão e outra, o jovem diplomata encontrava seus amigos… Depois de cada missão, assim que voltava para Roma, costumava fazer-lhes visitas, para contar das aventuras e trazer lembrancinhas.
No verão de 1477, o cardeal Orsini adoeceu gravemente. Mandou chamar seu pupilo, que naquele momento estava na abadia de Santa Maria de Farfa. Tristano apressou-se para voltar, mas quando chegou em Roma o casarão já estava de luto. Subindo ao piso nobre, o salão que dava para o morto estava cheio de rituais fúnebres e figurões sussurando: o cardeal estava morto e, com ele, a possibilidade de conhecer pela sua voz o mistério sobre o passado do jovem funcionário.
Infelizmente, o cardeal não havia deixado nada que lhe dissesse respeito. Nem o testamento do prelado tinha qualquer aceno ao segredo mencionado três anos antes.
Nos dias seguintes ao óbito, Tristano investigou com afinco a santa vida de Latino, vasculhando a biblioteca do casarão… mas nada, não conseguiu encontrar nada, nenhum indício relevante… exceto uma página arrancada de um velho diário de viagem. O documento tratava de uma importante missão do cardeal Orsini a Barletta, no ano MCDLIX d.C. Os manuscritos do cardeal estavam quase todos redigidos e conservados com tão obsessiva perfeição que a falta de uma folha, aliás mal cortada, teria sido preenchida e consertada logo, se não por Latino em pessoa, por seus atentos bibliotecários, e isso chamou a atenção de Tristano. Infelizmente não havia ninguém que pudesse dar uma pista ou levantar uma hipótese digna de aprofundamento. Decidiu, portanto, interromper a pesquisa e retornar à Cúria, onde podia continuar seu trabalho diplomático sob Giovanni Battista Orsini, que no meio-tempo recebera a ambicionada nomeação de protonotário apostólico.
Nas primeiras incumbências diplomáticas fora dos Estados Papais, Tristano foi auxiliado pelo núncio pontifício Frade Roberto da Lecce, mas logo sua rara capacidade de diligentia, prudentia et discretione convenceram Giovanni Battista e seus conselheiros a confiar-lhe assuntos cada vez mais críticos e delicados, para os quais devia necessariamente gozar de alguma independência e autonomia.
O complexo contexto da Guerra de Ferrara era um desses assuntos. Não apenas estava o senhorio da península todo envolvido, por muitos motivos e em diversos níveis, mas também nos Estados Papais a situação ficava cada dia mais complicada e exigia hábeis enxadristas, aptos a jogar duas partidas ao mesmo tempo: uma externa e outra, talvez ainda mais perigosa para a Santa Sé, interna; criaram-se duas facções em Roma: os Orsini e os Della Rovere, em apoio ao papa, contra os Colonna, apoiados pelos Savelli.