Loe raamatut: «Memorias de José Garibaldi, volume II»
I
TUDO PERDIDO, SALVO A HONRA
O verdadeiro motivo da expedição não era levar soccorros aos habitantes de Corrientes e rehabilital-os, mas sim de se desembaraçarem de mim.
Como é que sendo tão insignificante tinha tantos inimigos? Eis um segredo que nunca pude profundar.
Quando entrei o rio, o exercito oriental achava-se em S. José de Uruguay e o d'Oribe em Boyada, capital da provincia d'Entre-rios. Ambos se preparavam para a luta e o exercito de Corrientes pela sua parte dispunha-se a unir-se ao exercito oriental.
Tinha a meu cuidado vigiar desde o Parana até Corrientes, isto é, uma distancia de seiscentas milhas entre as duas margens inimigas, e ainda mais, perseguido por uma esquadra, quatro vezes superior á minha.
Durante esta passagem não podia causar medo senão ás ilhas ou costas desertas.
Quando deixei Montevideo havia cem a apostar contra um que nunca mais lá voltaria.
Logo á sahida de Montevideo sustentei um primeiro combate, contra a bateria de Martinho Garcia, ilha situada ao pé da confluencia dos dous grandes rios, Uruguay e Paraná, perto da qual é absolutamente necessario passar, visto que um só canal existe a alcance de tiro, para os navios de uma certa tonelagem.
Tive alguns mortos e entre elles Pacarobba, valente official italiano; levou-lhe a cabeça uma balla de artilheria, e além disso tive oito ou dez feridos.
A tres milhas da ilha de Martinho Garcia a Constituição, deu n'um baixo, e desgraçadamente isto aconteceu na baixa mar. Tivemos grande trabalho para a pôr a nado, mas pela coragem dos nossos marinheiros a pequena flotilha ainda se salvou n'esta occasião. Em quanto nos occupavamos a transportar para a goletta todos os objectos pesados, vimos que se aproximava de nós em bella ordem a esquadra inimiga.
Estava em má situação. Para alliviar a Constituição, tinha mandado transportar toda a sua artilheria para a goletta Procida aonde estava amontoada e por consequencia inutilisada para nós. Restava-nos o bergantim Theresa, de que o animoso commandante estava ao meu lado, com a maior parte da guarnição, ajudando-nos a trabalhar.
No emtanto o inimigo crescia sobre nós, vistoso entre as acclamações da tropa da ilha, seguro da victoria e com sete navios de guerra. Apesar do eminente perigo que me ameaçava não desesperei. Não, pois Deus faz-me o favor de me conservar sempre grande sangue frio nas occasiões supremas; deixo pensar aos outros, sobretudo aos maritimos, qual seria a minha situação. Não se tratava só da vida, que eu renunciaria n'um tal momento, porém da honra. Quanto mais os homens que me tinham levado ali, pensavam que eu perderia a minha reputação, mais eu estava decidido a livral-a d'este perigo, ensanguentada, mas pura.
Não se podia evitar o combate, porém era necessario recebel-o na melhor situação, por consequencia como os meus navios eram mais pequenos que os do inimigo, e por isso nadavam em menos agua, aproximei-os quanto pude da costa, que em perda total no rio me offerecia tambem um meio de salvação, desembarcando. Desembaracei o mais possivel o convez da goletta afim que algumas peças podessem servir, e dispostas as cousas d'esta maneira, esperei.
A esquadra que me ia atacar, era commandada pelo almirante Brown. Sabia pois que tinha a tractar com um dos mais habeis marinheiros do mundo.
O combate durou tres dias, sem que o inimigo se atrevesse a vir á abordagem. Na manhã do terceiro dia tinha ainda polvora, mas faltavam-me projectis. Mandei partir as correntes dos navios, reuni os pregos, os martellos e tudo quanto de cobre ou ferro podesse substituir as ballas e a metralha, e lancei-os ao inimigo, ajudando-nos isto a passar o dia.
No fim do terceiro dia não possuindo um unico projectil, e tendo já perdido metade dos meus homens, lancei fogo aos tres navios em quanto que, debaixo do fogo inimigo, ganhavamos a terra, levando as nossas espingardas e alguma polvora.
Os feridos que ainda davam alguma esperança foram tambem transportados. Em quanto aos outros já disse o que se fazia em eguaes circumstancias.
Estavamos pois a cento e cincoenta ou duzentas milhas de Montevideo, e em terreno inimigo. A guarnição da ilha de Martim Garcia foi a primeira que nos tentou fazer mal, mas cheios de orgulho pelo nosso combate com o almirante Brown, foram recebidos de tal maneira que não nos tornaram a apparecer.
Pozemo-nos a caminho atravez o deserto, vivendo de algumas provisões que tinhamos levado, e do que podiamos alcançar pelo caminho.
Os orientaes acabavam de perder a batalha de Arroyo Grande. Reunimo-nos aos fugitivos, e depois de cinco ou seis dias de luctas, combates, e privações de que ninguem póde formar idéa, entrámos em Montevideo, levando intactos o que eu tinha julgado perderiamos.
A honra!!
Este combate e muitos outros que sustentei contra elle, deixaram de mim uma boa lembrança ao almirante Brown, que tendo abandonado o serviço de Rosas antes da guerra concluir, veiu a Montevideo e antes de procurar os seus parentes quiz abraçar-me primeiro. Correu á minha casa da Portona, e abraçou-me muitas vezes com tal extremo que parecia meu pae.
Depois voltou-se para Annita e disse-lhe:
– Senhora, combati muito tempo contra seu marido, sem obter victoria alguma. O meu maior prazer era derrotal-o e fazel-o meu prisioneiro, mas Garibaldi sempre conseguiu escapar-se. Se eu tivesse a felicidade de o aprisionar, ficaria conhecendo o apreço em que o tenho.
Conto esta anedocta, porque faz mais honra ao almirante Brown do que a mim mesmo.
II
FORMAM-SE LEGIÕES
Depois da victoria de Arroyo Grande, Oribe marchou sobre Montevideo, declarando que não fazia graça a pessoa alguma, nem mesmo aos estrangeiros. E para ir dando cumprimento á sua palavra tudo o que encontrava no caminho era fuzilado.
Então como em Montevideo havia um grande numero de italianos, que ahi tinham vindo, uns por negocios e outros porque estavam proscriptos, fiz uma proclamação aos meus compatriotas convidando-os a tomar as armas, formando uma legião, para combatermos até á morte por aquelles que nos haviam dado a hospitalidade.
Rivera durante este tempo reunia os restos do seu exercito.
Do seu lado os francezes e hespanhoes formaram tambem duas legiões. Quatro mezes depois da sua formação a legião hespanhola composta na sua maioria de carlistas, passou-se para o inimigo, tornando-se o alvo dos nossos ataques.
A legião italiana não recebia paga, tendo unicamente ração de pão, vinho, sal, azeite, etc., etc., devendo receber comtudo, finda a guerra, terrenos e bois os que escapassem e as viuvas e filhas dos fallecidos.
A legião compunha-se primeiramente de quatrocentos a quinhentos homens elevando-se depois a oitocentos, por causa de muitos proscriptos que todos os navios conduziam.
A legião foi primeiramente dividida em tres batalhões, um commandado por Danuzio, outro por Ramella, e o terceiro por Mancini.
Oribe não ignorava todos estes preparativos de defeza, mas ligava-lhe pouca importancia. Marchou, como já disse sobre Montevideo, e acampou no Cerrito. Póde ser que no estado de desordem em que se achava a cidade, elle ahi podesse ter entrado immediatamente, mas julgando ter ali bastantes partidarios esperava uma demonstração da sua parte; mas esta demonstração nunca appareceu e Oribe deu tempo a que em Montevideo se organisasse a defeza.
Ficou pois a uma hora de marcha de Montevideo com doze a quatorze mil homens.
Montevideo podia apresentar nove mil homens, de que cinco mil eram negros, aos quaes se havia dado a liberdade, tornando-se excellentes soldados.
Quando Oribe perdeu a esperança de entrar amigavelmente em Montevideo, fortificou-se no Cerrito e desde logo começaram as escaramuças.
Do seu lado Montevideo fortificava-se o melhor que podia, sendo o nosso engenheiro o coronel Echevarrio.
A organisação geral das tropas pertencia ao general Paz.
Joaquim Soares era presidente, Pacheco y Obes ministro da guerra.
Paz partiu de Montevideo para Corrientes e Entre-Rios a fim de revolucionar estas provincias.
A primeira vez que sahiu das linhas, não sei se foi dos soldados ou dos officiaes, a legião italiana tomou tal medo que entrou para as fortificações sem haver disparado um tiro.
Obriguei um dos tres commandantes a pedir a sua demissão, dirigi uma proclamação aos italianos, escrevendo pela segunda vez a Anzani, que estava no Uruguay, empregado n'uma casa de commercio, convidando-o a vir para a minha companhia.
Este excellente amigo chegou no mez de julho.
Com elle tudo ganhou força e vida. A legião que se achava horrivelmente administrada mereceu todos os seus cuidados.
Durante este tempo tinha-se organisado, sabe Deus como, uma pequena flotilha, de que me confiaram o commando.
Mancini tomou o meu logar na legião.
A flotilha communicava pelo rio com o Cerro, fortaleza que tinha ficado em nosso poder, ainda que estivesse a tres ou quatro leguas, na margem do Prata, mais distante que o Cerrito que tinha cahido no poder de Oribe.
O Cerro era-nos mui necessario porque nos servia de ponto de apoio, para mandar gente para as planicies e receber os fugitivos.
Antes de organisar a defeza, a esquadra do almirante Brown tinha feito uma tentativa sobre o Cerro e sobre a ilha dos Ratos. Durante tres dias defendi a ilha e a fortaleza. Na ilha havia peças de 18 e de 36, obrigando o almirante a retirar-se com grandes perdas.
Já disse que á entrada de Anzani as concussões tinham acabado; porque este honrado homem em tudo tinha cuidado, e por isso se formou uma conspiração que tinha por fim assassinal-o e a mim, entregando a legião italiana ao inimigo.
Anzani foi prevenido.
Os conspiradores viram que não tinham nada a fazer por este lado, e uma manhã vinte officiaes e cincoenta soldados passaram para o inimigo.
Os soldados, é necessario fazer-lhe esta justiça, voltaram a pouco e pouco.
A legião livre dos traidores, ficou composta de homens valentes e honradissimos. Anzani reuniu-a e disse-lhe:
– Se eu tivesse que fazer uma escolha entre os bons e os maus, não teria escolhido melhor, como o acaso vem de fazer.
O general Pacheco e eu tambem fizemos os nossos discursos á tropa.
Alguns dias depois do primeiro combate onde a legião italiana tinha dado de si tão má idéa, propoz uma expedição, com o fim de a rehabilitar, que foi acceita. Tratava-se de atacar as tropas de Oribe que estavam diante do Cerro. Embarquei a legião italiana na nossa pequena esquadra e desembarcámos no Cerro, e tomando com Pacheco o commando da legião atacámos o inimigo ás duas horas da tarde, tendo-o posto na mais completa derrota ás cinco.
A legião composta de quatrocentos homens atacou um batalhão de seiscentos. Pacheco combatia a cavallo, e eu ora a pé, ora a cavallo, conforme era necessario. O inimigo teve cento e cincoenta mortos e duzentos prisioneiros, e nós apenas cinco ou seis mortos, e doze feridos, entre os quaes figurou um official chamado Ferrucci ao qual foi necessario cortar uma perna.
No dia seguinte voltamos em triumpho a Montevideo. Pacheco mandou reunir a legião, elogiou-a muito, e deu uma espingarda de honra ao sargento Loreto.
O combate tinha tido logar no dia 28 de março de 1843.
Já me achava tranquillo, os meus soldados haviam recebido o baptismo do fogo.
No mez de maio teve logar a benção da bandeira.
Era de seda preta com o Vesuvio pintado. Era o emblema da Italia, e das revoluções que em si encerrava. Foi confiada a Sacchi mancebo de vinte annos que se tinha conduzido admiravelmente no combate do Cerro.
É o mesmo que combateu mais tarde comigo em Roma, e que hoje é coronel.
III
O CORONEL NEGRA
A 17 de novembro do mesmo anno, a legião italiana achava-se de serviço nas linhas e eu tambem ahi estava.
Depois do almoço o coronel Negra, natural de Montevideo, montou a cavallo e percorreu a linha acompanhado por alguns homens.
O inimigo dirigiu-lhe alguns tiros, e com tanta felicidade que o feriram mortalmente.
Vendo-o cahir, o inimigo avançou e apoderou-se do corpo.
Apenas soube este acontecimento e não querendo deixar o corpo de um tão bravo official exposto aos insultos do inimigo, reuni uns cem homens e ataquei com elles.
Momentos depois o corpo do coronel estava em meu poder.
Então os soldados de Oribe encheram-se de furor, e tendo recebido consideraveis reforços achei-me cercado por todos os lados. Os nossos soldados vendo isto voaram em meu soccorro, tomando parte no combate toda a legião.
Exaltados pela minha voz, avançaram contra o inimigo e com tanta felicidade que n'um momento estava na mais completa derrota, tendo-lhe tomado uma bateria e occupado as suas posições.
Mas bem depressa voltando em massa nos atacaram.
Todas as forças da guarnição sahiram, e o combate tornou-se geral, durando oito horas.
Fomos obrigados a abandonar as posições que haviamos tomado, mas Oribe suffreu grandes perdas, e entramos em Montevideo vencedores na realidade e convencidos da nossa superioridade sobre o inimigo.
Tivemos sessenta homens feridos ou mortos.
Tinha tomado parte no combate como um simples soldado, por isso não tinha observado o que se passou em volta de mim. Entretanto no meio da confusão havia visto Anzani combatendo com o seu socego habitual, e sabia que dominando a lucta nenhum detalhe lhe havia escapado.
N'essa mesma tarde pedi-lhe uma nota de todos os que se haviam distinguido.
No dia seguinte reuni a legião, louvando-a e agradecendo-lhe em nome da Italia, e promovi alguns d'estes bravos a officiaes e a sargentos.
Depois d'estes dois combates a legião italiana tinha tomado tal influencia sobre o inimigo que quando elle a via marchar de bayoneta callada fugia, ou se acceitava o combate era sempre derrotado.
Durante estes acontecimentos Rivera tinha conseguido reunir um pequeno exercito composto de cinco ou seis mil homens, com o qual fazia frente a Urquiza, hoje presidente da republica argentina. De tempos a tempos Rivera enviava pelo Cerro mantimentos a Montevideo.
Oribe mandou uma parte do seu exercito a Urquiza, ordenando-lhe que tratasse de destruir Rivera.
IV
PASSAGEM DA BOYADA
Soubemos em Montevideo da partida dos soldados de Oribe, resolvendo então o general Paz a aproveitar-se do enfraquecimento do exercito inimigo.
Além do Cerrito, estavam quasi mil e oitocentos homens observando o Cerro.
Partimos a 23 de abril de 1844 ás 10 horas da noite.
Eis qual era o nosso plano:
Atacar o corpo de observação do Cerro, porque sabendo d'este ataque, Oribe devia enviar-lhe soccorros enfraquecendo-se ainda mais, e então sahiria toda a nossa gente a atacal-o.
Seguimos as margens do mar, passando o Arroyo Secco, que apesar do seu nome nos obrigou a encher d'agua até ao pescoço.
Tendo passado o rio, dirigimo-nos pela planicie rodeando o acampamento.
Marchavamos com taes precauções que chegamos á vista do corpo d'observação sem ter causado a mais pequena suspeita.
A guarnição do Cerro devia sahir coadjuvando o nosso movimento. Uma discussão se elevou entre os dous officiaes que a commandavam porque ambos queriam tomar o commando. Estando em fuga os mil e outocentos homens deviamos voltar sobre Oribe, collocando-o entre o fogo da nossa gente e o da cidade. A discussão entre os dous officiaes fez falhar o nosso plano, porque a guarnição sahiu, mas senhor de todas as forças Oribe repelliu-a, e foi elle que por sua vez marchou sobre nós, executando o plano de batalha que haviamos formado contra elle.
Fomos pois attacados ao mesmo tempo pelo exercito de Oribe e pelo corpo de observação, sendo obrigados a retirar-mo-nos para o Cerro, causando-lhe n'essa retirada os maiores prejuisos que podemos.
Tomei o commando da tropa que hia na rectaguarda afim de sustentar esta retirada o mais vigorosamente que fosse possivel.
Havia entre nós e o Cerro uma especie de riacho que se chamava a Boyada. Era necessario atravessal-o com lama até ao ventre.
Afim de estabelecer desordem na passagem o inimigo havia estabelecido n'um monticulo uma bateria de quatro peças que abriram o fogo quando começamos a passagem. Mas a legião italiana cada vez mais aguerrida despresou essa chuva de metralha como se fosse chuva ordinaria.
Foi então que tive occasião de observar que os nossos negros eram tambem valentes soldados. Faziam-se matar, esperando o inimigo com um joelho em terra. Estava no meio d'elles por isso podia ver como elles se conduziam. O combate durou seis horas.
Ao serviço de Montevideo estava um inglez, que tinha carta branca de Pacheco para fazer tudo quanto julgasse util a favor da nossa causa. Havia reunido quarenta ou cincoenta homens. Chamavam-lhe Samuel; não sei se tinha outro nome.
Nunca conheci homem tão bravo como elle.
Depois da passagem da Boyada vi-o chegar só com a sua ordenança.
– Samuel, lhe disse eu, onde está a teu regimento?
– Regimento, gritou elle, sentido!
Ninguem appareceu, ninguem respondeu. Todos haviam perecido no combate Em uma ordem do dia do general Paz, fizeram-se grandes elogios á legião italiana, setenta homens haviam ficado fóra do combate.
Entramos em Montevideo pelo Cerro.
Samuel commeçou immediatamente a reformar o seu regimento.
V
A LEGIÃO ITALIANA RECUSA AS TERRAS
QUE LHE SÃO OFFERECIDAS
A 30 de janeiro de 1845, o general Rivera maravilhado pela conducta da legião italiana no combate de Cerro e na passagem da Boyada escreveu-me a seguinte carta:
«Senhor:
«Quando, no anno passado, dei á legião franceza uma certa quantidade de terras, esperava que o acaso conduzisse ao meu quartel general algum official da legião italiana, dando-me assim occasião de satisfazer um ardente desejo do meu coração, mostrando á legião italiana a estima que lhe consagro pelos importantes serviços prestados á republica na guerra que sustentamos contra o exercito invasor de Buenos Ayres.
«Para não demorar por mais tempo o que considero como o comprimento de um dever sagrado, incluo n'esta, um acto de doação que faço á illustre e valorosa legião italiana, como uma prova sincera do meu reconhecimento pessoal pelos eminentes serviços prestados ao meu paiz.
«A offerta não é egual aos serviços, nem aos meus desejos, e comtudo ouso esperar que não recusareis offerecel-a em meu nome aos vossos camaradas, informando-os da minha boa vontade e do meu reconhecimento.
«Aproveito esta occasião, coronel, para vos assegurar a minha perfeita consideração e profunda estima.
«Fructuoso Rivera.»
O que ha de mais importante n'esta carta é que este excellente patriota nos fazia este presente da sua propria fortuna, porque as terras que nos offerecia eram do seu patrimonio.
A 23 de maio seguinte, epocha em que me foi entregue a sua carta, dirigi-lhe a seguinte resposta:
«Excellentissimo senhor:
«O coronel Parrodi, me entregou deante de todos os officiaes da legião italiana, segundo o vosso desejo, a carta que tiveste a bondade de me escrever com data de 30 de janeiro, e juntamente com ella um acto pelo qual fazieis espontanea doação á legião italiana d'uma porção de terreno, das vossas propriedades, existentes entre o Arroyo das Avenas e o Arroyo Grande, ao norte do Rio Negro, e d'uma manada de bois, e de todas as fazendas alli existentes.
«Dizeis na vossa carta que este presente nos é feito como remuneração dos nossos serviços á republica.
«Os officiaes italianos depois de terem tomado conhecimento da vossa carta declararam unanimemente, em nome da legião italiana que elles offerecendo os seus serviços á republica não queriam receber senão a honra de partilhar os perigos que correm os naturaes do paiz que lhe deram hospitalidade. Obrando d'este modo obedecem á sua consciencia. Tendo satisfeito ao que elles olham como o simples comprimento d'um dever, continuarão, tanto quanto as necessidades do cerco o exigirem, a partilhar os perigos dos nobres Montevidianos, não acceitando outra recompensa do seu trabalho.
«Tenho pois a honra de lhe communicar a resposta da legião, com a qual os meus principios e sentimentos concordam completamente. Por isso vos envio o original da doação.
«Deus vos dê muitos annos de vida.«Giuseppe Garibaldi.»
Os italianos continuaram a servir sem retribuição alguma, e o meio que tinham para alcançar algum dinheiro quando tinham necessidade de renovar alguma parte do vestuario, era o de ir servir algum negociante francez, que pagava aos substitutos quasi dous francos.
Sempre será bom dizer que, se entretanto havia algum combate o substituto battia-se como um leão, fazendo-se muitas vezes matar pelo proprietario do logar.