Quase Ausente

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CAPÍTULO DOIS



Aeroportos eram só despedidas, Cassie pensou. Partidas apressadas, o ambiente impessoal roubando as palavras que você realmente queria dizer e o tempo para dizê-las corretamente.



Ela insistiu para que a amiga que havia dado a ela uma carona até o aeroporto apenas a deixasse lá ao invés de entrar com ela. Um abraço antes de pular para fora do carro era mais rápido e fácil. Melhor do que café caro e conversas desconfortáveis que iam secando conforme a hora da partida chegava. Afinal, ela viajaria sozinha, deixando todos que conhecia para trás. Fazia sentido começar a jornada mais cedo do que mais tarde.



Ao empurrar o carrinho de bagagens para o terminal, sentia uma sensação de alívio pelas metas que tinha realizado até agora. Ela tinha conseguido o trabalho – a meta mais importante de todas. Tinha pagado o voo e a taxa da agência, seu visto tinha sido acelerado, e estava no check-in a tempo. Seus pertences tinham sido empacotados conforme a lista fornecida – estava grata pela mochila azul-claro com o logo da “Maureen Au Pairs” que recebera, pois não haveria espaço em sua mala para todas as suas roupas.



De agora até quando pousasse em Paris, estava certa de que tudo correria suavemente.



Então, ela parou, seu coração martelando, quando o viu.



Ele estava de pé próximo à entrada do terminal, com as costas na parede e os polegares enganchados nos bolsos da jaqueta de couro que ela lhe dera. Sua altura, seu cabelo escuro e espetado, e seu maxilar agressivo o tornavam fácil de localizar enquanto sondava a multidão.



Zane.



Ele deve ter descoberto que ela partiria nesse horário. Ela tinha ouvido de vários amigos que ele tinha ligado, perguntando onde ela estava e checando a história da Flórida. Zane podia ser manipulador, e nem todos sabiam da situação dela. Algum inocente deve ter contado a verdade.



Antes que ele pudesse olhar em sua direção, ela girou o carrinho, puxando o capuz de seu agasalho sobre a cabeça, escondendo seus ondulados cabelos castanho-avermelhados. Ela apressou-se para o outro lado, conduzindo o carrinho para trás de um pilar, fora da vista dele.



O balcão de check-in da Air France estava na outra extremidade do terminal. Não havia um modo de passar por ele sem que ele a visse.



Pense, Cassie, ela disse a si mesma. No passado, Zane havia a elogiado por sua habilidade de elaborar planos rápidos em situações complicadas. – Você tem raciocínio rápido – ele tinha dito. Aquilo havia sido no início do relacionamento deles. No fim, ele estava acusando-a amargamente de ser sorrateira e dissimulada, espertinha demais para o próprio bem.



Hora de ser espertinha demais, então. Ela tomou uma respiração funda, esperando por ideias. Zane estava de pé perto da entrada do terminal. Por quê? Teria sido mais fácil esperar ao lado do balcão de check-in, onde ele teria certeza de detectá-la. Então, isso significava que ele não sabia com qual companhia ela voaria. De quem quer que ele tenha recebido a informação, a pessoa também não sabia, ou não tinha dito. Se ela pudesse encontrar outro caminho até o balcão, poderia ser capaz de fazer o check-in antes de ele procurá-la.



Cassie descarregou sua bagagem, colocando a mochila pesada nos ombros e arrastando sua mala atrás de si. Havia uma escada rolante na entrada do prédio – passara por ela no caminho. Se subisse até o andar de cima, esperava encontrar outra descendo, ou um elevador, do outro lado.



Abandonando o carrinho de bagagem, apressou-se de volta pelo caminho que tinha feito e subiu a escada rolante. A que ficava do outro lado estava quebrada, então ela desceu pelos degraus íngremes, arrastando sua mala pesada atrás de si. O balcão de check-in da Air France estava a uma curta distância, mas, para seu desânimo, já havia uma fila longa e vagarosa.



Puxando o capuz cinza mais para frente, juntou-se à fila, pegou um livro de sua bolsa e começou a ler. Não estava absorvendo as palavras e o capuz estava a sufocando. Queria arrancá-lo, refrescar a transpiração em seu pescoço. No entanto, não podia arriscar, não quando seu cabelo brilhante se tornaria instantaneamente visível. Melhor continuar escondida.



Mas, então, uma mão firme bateu no ombro dela.



Ela virou-se, arquejando, e se viu encarando os olhos surpresos de uma loira alta que tinha mais ou menos a sua idade.



– Desculpe te assustar – ela disse. – Sou Jess. Notei sua mochila e pensei que deveria falar oi.



– Ah. Sim. Maureen Au Pairs.



– Você está voando para uma atribuição? – Jess perguntou.



– Estou.



– Eu também. Quer ver se a companhia consegue assentos juntos? Podemos solicitar no check-in.



Enquanto Jess conversava sobre o clima na França, Cassie olhou com nervosismo pelo terminal. Sabia que Zane não desistiria facilmente – não depois de ter dirigido até aqui. Ele iria querer algo dela – um pedido de desculpas, um compromisso. Ele a forçaria a ir com ele tomar um “drink de despedida” e começaria uma briga. Ele não se importaria se ela chegasse à França com novos machucados... Ou perdesse seu voo de vez.



E, então, ela o viu. Ele vinha em sua direção, a alguns guichês de distância, sondando cada fila cuidadosamente enquanto procurava.



Ela olhou para o outro lado rapidamente, para o caso de ele sentir seu olhar fixo. Com uma centelha de esperança, viu que elas tinham alcançado o começo da fila.



– Senhora, você vai precisar tirar isso – a funcionária do check-in disse, apontando para o capuz de Cassie.



Consentindo relutantemente, ela o empurrou para trás.



– Ei, Cass! – ela ouviu Zane gritar as palavras.



Cassie congelou, sabendo que responder significaria um desastre.



Desajeitada e nervosa, deixou cair seu passaporte e tateou por ele, sua mochila pesada inclinando-se sobre sua cabeça.



Outro grito, e dessa vez ela olhou para trás.



Ele a viu e abriu caminho pela fila, cotovelando as pessoas para os lados. Os passageiros estavam irritados; ela podia ouvir vozes elevadas. Zane estava causando uma comoção.



– Gostaríamos de sentar juntas, se possível – Jess disse à funcionária, e Cassie mordeu o lábio com o atraso adicional.



Zane gritou novamente, e ela se deu conta com uma sensação de mal estar que ele a alcançaria em alguns momentos. Ele ligaria seu charme e imploraria por uma chance de conversar, assegurando a Cassie que levaria apenas um minuto para dizer o que precisava em particular. Seu objetivo, ela sabia por experiência, seria deixá-la afastada e sozinha. E, então, o charme desapareceria.



– Quem é esse cara? – Jess perguntou com curiosidade. – Ele está procurando você?



– Ele é meu ex-namorado – Cassie murmurou. – Estou tentando evitá-lo. Eu não quero que ele cause problemas antes de eu partir.



– Mas ele já está causando problemas! – Jess rodopiou, irada. – Segurança! – ela gritou. – Ajudem! Alguém pare aquele homem.



Galvanizado pelos clamores de Jess, um dos passageiros agarrou a jaqueta de Zane enquanto ele passava. Ele escorregou nos azulejos, braços se agitando, derrubando um dos postes ao cair.



– Segurem-no! – Jess apelou. – Segurança, rápido!



Com uma onda de alívio, Cassie viu que a segurança tinha, de fato, sido alertada. Dois policiais aeroportuários se apressavam para a fila. Eles chegariam a tempo, antes que Zane pudesse chegar até ela, ou sequer fugir.



– Vim dizer adeus à minha namorada, policiais – Zane tagarelou, mas suas tentativas de charme foram desperdiçadas com a dupla. – Cassie – ele chamou enquanto o policial mais alto agarrava seu braço. – Au revoir.



Relutantemente, ela se virou para encará-lo.



– Au revoir. Não é adeus – ele gritou conforme os policiais marchavam com ele para longe. – Vou te ver de novo. Mais cedo do que você pensa. Melhor tomar cuidado.



Ela reconheceu o aviso nas últimas palavras de Zane – mas, por agora, eram ameaças vazias.



– Muito obrigada – ela disse a Jess, completamente tomada por gratidão pela ação corajosa.



– Eu também tive um namorado tóxico – Jess simpatizou. – Sei como eles podem ser possessivos, grudam como maldito velcro. Foi um prazer poder detê-lo.



– Vamos passar pelo controle de passaporte antes que ele consiga voltar. Eu te devo uma bebida. O que você gostaria – café, cerveja ou vinho?



– Vinho, com certeza – Jess disse enquanto atravessavam os portões.





*





– Então, para onde você vai, na França? – Cassie perguntou depois de pedirem o vinho.



– Dessa vez, vou para uma família em Versalhes. Perto de onde fica o palácio, acredito. Espero ter a chance de visitá-lo quando tiver um dia de folga.



– Você disse “dessa vez”? Já esteve em uma atribuição antes?



– Estive, mas não deu certo – Jess derrubou um cubo de gelo em seu copo. – A família era terrível. Na realidade, por conta deles fiquei convencida em não usar a Maureen Au Pairs nunca mais. Fui com uma agência diferente dessa vez. Mas não se preocupe – ela adicionou, apressada. – Tenho certeza que você vai estar bem. Maureen deve ter alguns clientes bons em seus registros.



A boca de Cassie parecia repentinamente seca. Ela tomou um grande gole de vinho.



– Pensei que ela tivesse boa reputação. Quer dizer, o slogan dela é “A Agência Europeia Número Um”.



Jess riu. – Bem, isso é apenas marketing. Outras pessoas me disseram o contrário.



– O que aconteceu com você? – Cassie perguntou. – Por favor, me conte.



– Bem, a atribuição parecia legal, apesar de algumas perguntas na entrevista de Maureen terem me preocupado. Foram tão estranhas que comecei a me perguntar se haviam problemas com a família, porque nenhum dos meus amigos au pairs tiveram perguntas similares durante a entrevista deles. E quando eu cheguei... Bem, a situação não era conforme o anunciado.

 



– Por que não? – Cassie sentia-se fria por dentro. Achara as perguntas de Maureen estranhas também. Presumira na hora que todos os candidatos respondessem às mesmas questões; que era um teste de suas habilidades. E talvez fosse... Mas não pelas razões que imaginou.



– A família era muito tóxica – Jess disse. – Eles eram desrespeitosos e me rebaixavam. O trabalho que eu tinha que fazer estava fora do escopo do emprego; eles não se importavam e se recusavam a mudar. E quando eu disse que ia embora, foi quando realmente virou uma zona de guerra.



Cassie mordeu o lábio. Ela tinha tido aquela experiência na infância. Lembrava-se das vozes elevadas atrás de portas fechadas, discussões murmuradas no carro, uma sensação de tensão em uma corda-bamba. Sempre tinha se perguntado o que sua mãe – tão quieta, subjugada, abatida – poderia possivelmente ter encontrado para discutir com seu pai bombástico e agressivo. Foi só após a morte de sua mãe em um acidente de carro que ela tinha percebido que as brigas eram para manter a paz, lidar com a situação, protegendo Cassie e sua irmã da agressão que acendia de forma imprevisível e sem um bom motivo. Sem a presença de sua mãe, o conflito fervilhante tinha entrado em ebulição, virando uma guerra completa.



Ela havia imaginado que um dos benefícios de ser uma au pair seria poder se tornar parte da família feliz que ela nunca tivera. Agora, temia que o oposto fosse verdade. Nunca fora capaz de manter a paz no lar. Seria capaz de lidar com uma situação volátil, como sua mãe fizera?



– Estou preocupada com a minha família – Cassie confessou. – Tive perguntas estranhas durante minha entrevista também, e a au pair anterior foi embora mais cedo. O que vai acontecer se eu tiver que fazer o mesmo? Não quero permanecer se as coisas ficarem desagradáveis.



– Não vá embora a não ser que seja uma emergência – Jess avisou. – Causa um conflito enorme, e você sangra dinheiro; você vai estar sujeita a um monte de despesas adicionais. Isso quase me fez desistir de tentar de novo. Fui cuidadosa em aceitar essa atribuição. Eu não teria condições de pagar se meu pai não tivesse bancado tudo dessa vez.



Ela baixou sua taça de vinho.



– Vamos para o portão? Estamos na parte traseira do avião, então vamos estar no primeiro grupo a embarcar.



A empolgação para embarcar no avião distraiu Cassie do que Jess tinha dito e, uma vez que estavam sentadas, conversaram sobre outros tópicos. Quando o avião decolou, ela sentiu seu ânimo se elevar com ele, porque tinha conseguido. Tinha saído do país, escapado de Zane, e estava sendo transportada pelo ar rumo a um novo começo em uma terra estrangeira.



Foi apenas após o jantar, ao começar a pensar mais afundo sobre os detalhes de sua atribuição e os avisos de Jess, que seus receios voltaram novamente.



Toda família podia ser ruim, certo?



Porém, e se uma agência em particular tivesse uma reputação por aceitar famílias difíceis? Bem, então, as chances seriam maiores.



Cassie tentou ler um pouco, mas descobriu que não estava se concentrando nas palavras e seus pensamentos estavam acelerados enquanto se preocupava com o que estava pela frente.



Ela olhou para Jess. Depois de se assegurar que ela estava absorvida assistindo ao seu filme, Cassie discretamente pegou o frasco de comprimidos de sua bolsa e engoliu um com o resto de sua Coca diet. Se não conseguia ler, poderia ao menos tentar dormir. Apagou sua luz e reclinou seu assento.





*





Cassie encontrou-se em seu quarto frio no andar de cima, comprimida debaixo de sua cama com as costas contra a parede áspera e gelada.



Risos bêbados, pancadas e gritos vinham do andar de baixo; folia que a qualquer momento se tornaria violenta. Seus ouvidos se esticavam, esperando por vidros quebrando. Ela reconheceu a voz de seu pai e de sua namorada mais recente, Deena. Havia ao menos quatro outras pessoas lá embaixo, talvez mais.



E então, acima dos gritos, ela ouviu as tábuas do chão rangendo conforme passos pesados subiam as escadas.



– Ei, queridinha – uma voz profunda sussurrou e seu coração de 12 anos se encolheu em terror. – Você está ai, garotinha?



Ela apertou os olhos fechados, dizendo a si mesma que era apenas um pesadelo, que estava segura em sua cama e os estranhos no andar de baixo estavam se preparando para ir embora.



A porta rangeu ao abrir devagar e, na luz derramada pelo luar, viu uma bota pesada aparecer.



O pé pisou através do quarto.



– Ei, garotinha – um sussurro rouco. – Vim dizer olá.



Ela fechou seus olhos, rezando para que ele não ouvisse suas respirações rápidas.



O sussurro dos tecidos enquanto ele puxou as cobertas... E então o grunhido de surpresa ao ver o travesseiro e casaco que ela havia embrulhado por debaixo.



– Saiu por aí – ele tinha resmungado. Ela imaginou que ele estivesse olhando para as cortinas encardidas esvoaçando com a brisa, o cano de esgoto insinuando uma rota de fuga precária. Da próxima vez, ela encontraria a coragem para descer; não podia ser pior do que se esconder aqui.



As botas recuaram para fora de sua visão. Uma erupção de música veio do andar de baixo, seguida por uma discussão aos berros.



O quarto ficou quieto.



Ela estava tremendo; se fosse passar a noite se escondendo, precisaria de uma coberta. Era melhor pegá-la agora. Ela relaxou para longe da parede.



Mas conforme ela deslizou a mão para fora, uma mão grosseira a apanhou.



– Então você está aí!



Ele lhe puxou para fora – ela agarrou a estrutura da cama, ferro gelado raspando suas mãos, e começou a gritar. Seu choro aterrorizado preencheu o quarto, preencheu a casa...



E ela acordou, suada, gritando, ouvindo a voz aflita de Jess. – Ei, Cassie, você está bem?



Os tentáculos do pesadelo ainda estavam à espreita, querendo atraí-la de volta. Podia sentir os arranhões doloridos em seu braço onde a estrutura enferrujada da cama a cortara. Pressionou os dedos ali, aliviada por encontrar sua pele intacta. Arregalando os olhos, acendeu a luz sobre a cabeça para afugentar a escuridão.



– Estou bem. Sonho ruim, só isso.



– Quer um pouco de água? Chá? Posso chamar a comissária de bordo.



Cassie estava prestes a recusar educadamente, mas lembrou, em seguida, que deveria tomar seus remédios outra vez. Se um comprimido não funcionou, dois geralmente impediriam os pesadelos de voltarem a ocorrer.



– Eu adoraria um pouco de água. Obrigada – ela disse.



Ela esperou até que Jess não estivesse olhando e rapidamente engoliu outro comprimido.



Não tentou dormir outra vez.





*





Durante a descida da aeronave, trocou números de telefone com Jess – e, por precaução, anotou o nome e o endereço da família para quem Jess trabalharia. Cassie disse a si mesma que era como uma apólice de seguro que, com sorte, se ela tivesse, não precisaria usar. Prometeram uma à outra que, na primeira chance que tivessem, visitariam o Palácio de Versalhes juntas.



Enquanto taxiavam para o Aeroporto Charles de Gaulle, Jess deu uma risada animada. Rapidamente, mostrou a Cassie a selfie que sua família havia tirado enquanto esperavam por ela. O casal atraente e as duas crianças sorriam, segurando uma placa com o nome de Jess.



Cassie não recebeu nenhuma mensagem – Maureen tinha apenas dito que encontrariam com ela no aeroporto. A caminhada até o controle de passaporte parecia interminável. Ela estava cercada pelo burburinho de conversas em uma variedade de idiomas diferentes. Virando-se para o casal caminhando ao seu lado, percebeu quão pouco do francês falado era capaz de entender. A realidade era tão diferente de aulas da escola e fitas de idiomas. Sentia-se assustada, solitária e com sono atrasado, e de repente tomou consciência de quão amassadas e suadas suas roupas estavam comparadas às dos viajantes franceses elegantemente vestidos ao seu redor.



Assim que pegou suas malas, correu para o banheiro, colocou uma blusa nova e arrumou seu cabelo. Ainda não se sentia pronta para conhecer sua família e não tinha ideia de quem estaria a esperando. Maureen dissera que a casa ficava a mais de uma hora de carro do aeroporto, então talvez as crianças não tivessem vindo. Ela não deveria procurar por uma família grande. Qualquer rosto amigável bastaria.



Porém, no mar de pessoas a observando, não viu nenhum reconhecimento, mesmo tendo colocado a mochila da Maureen Au Pairs em destaque no carrinho de bagagem. Andou devagar do portão até o saguão de desembarque, observando ansiosa para que alguém a visse, acenasse ou chamasse por ela.



Mas todos lá pareciam estar esperando por outra pessoa.



Agarrando o puxador do carrinho com as mãos frias, Cassie ziguezagueou pelo saguão de desembarque, procurando em vão enquanto a multidão gradualmente se dispersava. Maureen não tinha falado sobre o que fazer caso isso acontecesse. Será que deveria ligar para alguém? Será que seu telefone sequer funcionaria na França?



E então, ao dar uma última volta frenética pelo piso, ela o notou.



“CASSANDRA VALE.”



Uma pequena placa, segurada por um homem magro de cabelo escuro, jaqueta preta e jeans.



De pé próximo à parede, absorvido em seu telefone, ele nem estava olhando para ela.



Ela se aproximou de forma incerta.



– Oi, sou Cassie. Você é...? – ela perguntou, as palavras parando ao perceber que ela não tinha ideia de quem ele poderia ser.



– Sim – ele disse em inglês com um sotaque forte. – Venha por aqui.



Ela estava prestes a se apresentar apropriadamente, dizer as palavras que tinha ensaiado sobre como estava empolgada por se juntar à família, quando viu o cartão laminado na jaqueta dele. Ele era apenas um motorista de táxi; o cartão era o seu passe oficial do aeroporto.



A família não tinha sequer se incomodado em vir conhecê-la.





CAPÍTULO TRÊS



A paisagem urbana de Paris foi de desdobrando enquanto Cassie observava. Altos apartamentos e blocos industriais escuros gradualmente deram lugar a subúrbios arborizados. A tarde estava fria e cinzenta, com a chuva assoprando de forma irregular.



Ela ergueu-se para ver as placas de sinalização enquanto passavam. Seguiam em direção à Saint Maur, e por um tempo ela pensou que aquele poderia ser seu destino, mas o motorista passou a saída e continuou pela estrada, saindo da cidade.



– Está longe? – ela perguntou, tentando puxar conversa, mas ele grunhiu de forma descomprometida e ligou o rádio.



A chuva batia nas janelas e o vidro estava frio contra sua bochecha. Desejou ter tirado a jaqueta grossa do porta-malas. E estava faminta – não havia comido café da manhã e não tivera a oportunidade de comprar comida desde então.



Depois de mais de meia-hora, chegaram a campo aberto e dirigiram ao longo do rio Marne, onde barcos de cores vivas forneciam um respingo de cor ao acinzentado, e algumas pessoas, envoltas em capas de chuvas, caminhavam debaixo das árvores. Alguns dos galhos das árvores já estavam despidos, outros ainda cobertos de folhas ouro-avermelhadas.



– Está muito frio hoje, não? – ela observou, tentando conversar com o motorista outra vez.



A única resposta foi um murmurado “Oui” – mas ele ao menos ligou o aquecedor, e ela parou de tremer. Encasulada no calor, caiu em um cochilo inquieto enquanto os quilômetros voavam.



Uma freada brusca e um toque de buzina a assustou, despertando-a. O motorista estava forçando caminho para passar por um caminhão estacionário, virando para sair da rodovia e entrar em uma estrada estreita e ladeada por árvores. A chuva havia parado e, na luz baixa do início de noite, a paisagem de outono era linda. Cassie olhou pela janela, absorvendo a paisagem em movimento e a tapeçaria em retalhos dos campos intercalados com enormes florestas escuras. Passaram por uma vinícola, as fileiras de uvas arrumadas encurvando-se em torno da encosta.



Reduzindo a velocidade, o motorista passou por um vilarejo. Casas de pedra pálidas com janelas abobadadas, íngremes e com telhados de azulejos, ladeavam a estrada. Além, viu campos abertos, e vislumbrou um canal ladeado por salgueiros-chorões enquanto cruzavam uma ponte de pedra. O alto pináculo da igreja atraiu seu olhar e ela se perguntou quão antiga era a construção.

 



Deveriam estar perto do castelo, ela cogitou, talvez até mesmo em seu bairro local. Então, mudou de ideia ao deixarem o vilarejo para trás, adentrando mais nas colinas, até que estivesse totalmente desorientada e perdesse o alto pináculo de vista. Não esperava que o castelo fosse tão remoto. Ouviu o GPS notificar “sinal perdido” e o motorista exclamar em irritação, pegando seu telefone e olhando de perto para o mapa enquanto dirigia.



Em seguida, após virarem à direita, entre portões altos, Cassie sentou-se ereta, vendo a longa entrada de cascalhos. Adiante, alto e elegante, estava o castelo, o sol poente realçando suas paredes de pedra.



Pneus trituraram na pedra quando o carro parou do lado de fora da entrada alta e imponente, e ela sentiu uma punhalada nos nervos. Essa casa era muito maior do que imaginara. Era como um palácio, coroado com altas chaminés e torres ornamentadas. Contou dezoito janelas, com trabalhos em pedra e detalhes elaborados, nos dois andares de sua fachada imponente. A casa em si tinha vista para um jardim, com sebes imaculadamente podadas e caminhos pavimentados.



Como ela poderia se relacionar com a família lá dentro, que vivia em tanto esplendor, quando ela tinha vindo do nada?



Percebeu que o motorista batia os dedos impacientemente no volante – ele claramente não a ajudaria com as malas. Rapidamente, ela desceu.



O vento implacável a gelou imediatamente, e ela se apressou até o porta-malas, tirando sua mala e atravessando o cascalho até o abrigo do átrio, onde ela ergueu o zíper de sua jaqueta.



Não havia campainha na pesada porta de madeira, apenas uma grande aldrava de ferro que estava gelada em sua mão. O som era surpreendentemente alto, e alguns momentos depois Cassie ouviu passos leves.



A porta se abriu e ela ficou de frente com uma empregada de uniforme escuro, cabelo puxado para trás em um rabo de cavalo apertado. Atrás dela, Cassie vislumbrou o hall de entrada amplo, com paredes revestidas de forma opulente e uma magnífica escadaria de madeira ao fundo.



A empregada olhou de relance ao redor quando uma porta bateu.



Imediatamente, Cassie pressentiu a presença de uma briga. Podia sentir a eletricidade no ar, como uma tempestade se aproximando. Estava na atitude apreensiva da empregada, no estrondo da porta e nos gritos caóticos ao longe, desvanecendo até silenciarem. Seu interior contraiu-se e ela sentiu um esmagador desejo de fugir. Correr atrás do motorista e chamá-lo de volta.



Em vez disso, ela manteve-se firme e forçou um sorriso.



– Sou Cassie, a nova au pair. A família está me esperando.



– Hoje? – a empregada parecia preocupada. – Aguarde um momento – ela entrou apressada na casa e Cassie ouviu-a chamando – Monsieur Dubois, por favor, venha depressa.



Um minuto depois, um homem robusto com cabelo escuro e grisalho entrou no hall a passos largos, seu rosto como um trovão. Ao ver Cassie na porta, ele parou.



– Você já está aqui? – ele disse. – Minha noiva disse que chegaria amanhã de manhã.



Ele virou-se para encarar a jovem de cabelos loiros descoloridos que o seguia. Ela trajava um vestido de noite e suas feições atraentes estavam esticadas em tensão.



– Sim, Pierre, imprimi o e-mail quando estava a cidade. A agência disse que o voo chega às quatro da manhã – virando-se para a mesa de madeira adornada do hall, ela empurrou um peso de papel de vidro veneziano para o lado e brandiu uma folha como defesa. – Aqui. Está vendo?



Pierre deu uma olhada na página e suspirou.



– Aqui diz quatro da tarde. Não da manhã. O motorista que você contratou obviamente sabia a diferença, então aqui está ela – ele virou-se para Cassie e estendeu a mão. – Sou Pierre Dubois. Essa é minha noiva, Margot.



Ele não apresentou a empregada. Em vez disso, Margot ordenou que ela fosse preparar o quarto oposto ao das crianças, e a empregada saiu correndo.



– Onde estão as crianças? Já estão na cama? Eles deveriam conhecer Cassie – Pierre disse.



Margot balançou a cabeça. – Eles estavam jantando.



– Tão tarde? Eu não te falei que o jantar deve ser mais cedo quando eles têm escola no dia seguinte? Mesmo estando de férias, já deveriam estar na cama para manter o cronograma.



Margot encarou-o e deu com os ombros, zangada, antes de andar até a soleira da porta à direita, seus sapatos de salto estalando.



– Antoinette? – ela chamou. – Ella? Marc?



Foi recompensada por um estrondo de pés e exclamações altas.



Um garoto de cabelos escuros correu para o hall, puxando uma boneca pelos cabelos. Ele veio seguido de perto por uma menina mais nova e gordinha, aos prantos.



– Devolva minha Barbie! – ela gritou.



Derrapando até parar ao ver os adultos, o garoto deu uma arrancada para a escadaria. Conforme ele se lançou, seu ombro pegou o lado curvado de um grande vaso azul e dourado.



Cassie cobriu a boca com as mãos, horrorizada, enquanto o vaso balançava em seu pedestal, em seguida se espatifando no chão, estilhaçado. Cacos de vidro coloridos espirraram por todo o assoalho de madeira escura.



O choque silencioso foi quebrado pelo berro furioso de Pierre.



– Marc! Devolva a boneca para Ella.



Arrastando os pés, seu lábio inferior protuberante, Marc deu passos cuidadosos em meio aos destroços. Com relutância, entregou a boneca a Pierre, que a passou para Ella. Os soluços diminuíram conforme a menina alisava o cabelo da boneca.



– Aquele vaso era arte de vidro Durand – Margot silvou para o garoto. – Antiguidade. Insubstituível. Você tem algum respeito pelas posses do seu pai?



Um silêncio carrancudo foi a única resposta.



– Onde está Antoinette? – Pierre perguntou, soando frustrado.



Margot olhou para cima e, seguindo seu olhar, Cassie viu uma garota magra de cabelos escuros no topo das escadas—ela parecia a mais velha dos três, com diferença de alguns anos. Vestida com elegância em um vestido perfeitamente engomado, ela esperou com uma das mãos no corrimão até ter toda a atenção da família. Então, de queixo erguido, ela desceu.



Ansiosa para causar uma boa impressão, Cassie limpou a garganta e fez uma tentativa de saudação amigável.



– Olá, crianças. Meu nome é Cassie. Estou tão feliz de estar aqui, e feliz por cuidar de vocês.



Ella sorriu de volta, tímida. Marc encarou o chão de forma implacável. E Antoinette a encarou por um longo tempo, desafiando-a. Depois, sem uma palavra, deu as costas a ela.



– Com licença, Papai – ela disse a Pierre. – Tenho lição de casa para acabar antes de dormir.



– É claro – Pierre disse, e Antoinette marchou para o andar de cima novamente.



Cassie sentiu seu rosto arder de vergonha com o desdém deliberado. Perguntou-se se deveria dizer algo, fazer graça com a situação ou tentar dar desculpas para o comportamento rude de Antoinette, mas não conseguiu pensar nas palavras adequadas.



Margot murmurou, furiosa. – Eu te disse, Pierre. O humor da adolescência já está começando – e Cassie percebeu não ter sido a única que Antoinette havia ignorado.



– Pelo menos ela está fazendo a lição de casa, apesar de ninguém a ajudar - Pierre rebateu. – Ella, Marc, por que não se apresentam apropriadamente para Cassie?



Houve um curto silêncio. Claramente, as apresentações não aconteceriam sem relutância. Mas talvez ela pudesse aliviar a tensão com algumas perguntas.



– Bem, Marc, sei seu nome, mas gostaria de descobrir quantos anos você tem – ela disse.



– Tenho oito anos – ele resmungou.



Olhando entre ele e Pierre, ela definitivamente podia ver a semelhança de família. O cabelo rebelde, o queixo forte, os brilhantes olhos azuis. Até a forma como franziam a testa era similar. As outras filhas também eram morenas, mas Ella e Antoinette tinham feições mais delicadas.



– E Ella, qual sua idade?



– Quase seis – a pequena garota anunciou com orgulho. – Meu aniversário é no dia depois do Natal.



– É um dia bom pa