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Razão Para Matar

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CAPÍTULO QUATORZE

O cemitério Mount Auburn era uma propriedade luxuosa com estradas sinuosas, lagos e florestas exuberantes com lápides por todo o caminho.

Alguns carros de polícia de Watertown, junto com carros sem identificação, uma ambulância e uma van da perícia tornavam impossível chegar de carro muito longe no Violet Path. As árvores escondiam a maior parte da luz do sol. Vários grupos de curiosos e ciclistas esticavam o pescoço para ver algo que Avery não conseguia ver. Ela estacionou na base de um pequeno monte com grama, na junção da Walnut Avenue com a Violet.

- Ei - um policial à paisana gritou quando ela saiu do carro, - você não pode estacionar aí. Tire o carro. Aí é a cena do crime!

Avery mostrou seu distintivo.

- Avery Black - ela disse. – Esquadrão de Homicídios. Polícia de Boston.

- Você está fora da sua jurisdição, Boston. Não precisamos de você aqui. Vá embora.

Avery sorriu tentando ser razoável e agradável.

- Me disseram para procurar Ray Henley.

- O Tenente Henley? – Desconfiado, o policial respondeu, - Espere aqui.

- Qual é a desse merda? – Finley perguntou.

Ele estava parado logo atrás de Avery, praticamente encostando no ombro dela.

- Estou pagando por algo? – ela perguntou. – É por isso que você está aqui?

- Essa é minha chance, Black. Você vai me ajudar a virar detetive.

- Deus tenha piedade da minha alma.

Um homem magro e atraente com calça social e camisa listrada vermelha apareceu no morro. Ele parecia mais um modelo de outdoor do que um detetive. Apenas o distintivo no pescoço e a arma na cintura mostravam o contrário. Tinha o rosto moreno do sol e cabelos castanhos ondulados. Ele exalava uma aura de bondade e paciência, quando sorriu para Avery como se eles se conhecessem.

- Detetive Black - ele cumprimentou. – Obrigado por vir.

Uma mão forte segurou a dela, e quando ele olhou dentro de seus olhos, um sentimento de calma tomou conta de Avery, como se ela pudesse se jogar nos braços dele e ser perdoada na mesma hora por todos seus pecados.

Um silêncio incômodo pairou por alguns segundos.

- Sou Ray Henley - ele disse.

- Certo - Avery respondeu, afobada. – Desculpe, me disseram que você encontrou outro corpo, parecido com o que encontramos no Lederman Park. É isso?

O fato de ela ir direto ao assunto do caso o desapontou um pouco. Ele suspirou e ficou com as bochechas vermelhas.

- Isso - disse – venha ver você mesma.

Ele a deu informações no caminho.

- Uma corredora a encontrou nessa manhã, pelas seis. Por um momento, ela pensou que a garota era algum tipo de adoradora do demônio pelo jeito que estava posicionada. Nós acreditamos que seu nome é Tabitha Mitchell, uma caloura do MIT que não voltou para casa para dormir ontem à noite. A companheira de quarto dela ligou para a polícia por volta das duas, e outra vez às oito. A polícia de Cambridge teria esperado normalmente quarenta e oito horas para divulgar uma foto, mas já que ela é uma universitária conectada, nós conseguimos antes.

- O que ela estava fazendo aqui?

- Eu achei que você pudesse nos ajudar com isso.

O corpo estava no topo do monte. Pequenas pedras de lápide cinzas marcavam a área. Ela estava posicionada em uma grande pedra que se assemelhava a um peão de xadrez. Ele havia, novamente, feito um trabalho incrível deixando-a natural. Ela estava agachada, abraçando o monumento. O resto dela descansava no topo da pedra. Os olhos estavam abertos e havia uma sensualidade em sua aparência. Um blush vermelho maquiava as bochechas. Algum tipo de cola havia sido passado na testa e nos cabelos para simular suor, e sua boca estava enrugada, dando a sensação de falta de ar.

- Ela não está vestindo nada por baixo - disse Ray.

Cindy Jenkins estava vestindo roupas íntimas: calcinha e sutiã. O que isso significava? Avery tentou imaginar. O assassino está ficando mais ousado? Ela teria saído de casa daquele jeito?

Os olhos de Tabitha estavam abertos e focados em algo à distância.

Avery seguiu a linha do olhar e chegou a pequenas lápides brancas em uma descida com grama, do outro lado.

- Finley - ela disse, - anote tudo o que você ver naquelas lápides lá. Marque cada uma para que eu saiba qual é a primeira, segunda, terceira, entendeu? Depois caminhe pela área. Assassinos em série geralmente voltam à cena do crime para uma emoção barata. Talvez o nosso ainda esteja aqui.

- Um assassino em série? – Ele sorriu. – Uou! Fechado, Black! – Ele a olhou com a expressão série, de quem era capaz e apontou o dedo no rosto dela.

- Esse é seu parceiro? – Ray perguntou.

- Não - ela respondeu.

De novo, ele tentou começar uma conversa.

- Eu vi você no jornal uns dias atrás. – Ele sorriu. – E, - ele enfatizou, um pouco envergonhado, - eu a vi em muitos jornais há alguns anos.

A intenção dele não estava clara até Avery olhá-lo e perceber: Ele estava flertando.

Era difícil para ela, em frente a um cadáver, fazer qualquer coisa que não fosse analisar o que aconteceu e tentar juntar os pedaços do quebra-cabeças. Ela imaginou se havia algum tipo de falha mecânica de nascença ou de seu passado culpado e complicado, mas então ela lembrou que era assim desde sempre, mesmo enquanto advogada: focada, implacável, e ansiosa para encontrar conexões que a levariam ao sucesso. Agora, a única diferença é que essas conexões não eram apenas maneiras de libertar seus clientes, e sim eram maneiras de parar assassinos.

Ray percebeu o desconforto de Avery e trocou de assunto.

- Você acha que o assassino é o mesmo?

Avery limpou a garganta.

- Com certeza - ela disse. – Isso é coisa dele.

- Bom, então - ele disse, - vou compartilhar tudo o que eu tiver com você. Nós não temos muitos crimes como esse em Watertown. E, se você quiser, nós podemos enviar o corpo para o seu laboratório e você pode levar o que quiser daqui. Tudo bem por você?

- Claro - ela disse, realmente grata. – Seria ótimo.

- Não me entenda mal. - ele acrescentou com um sorriso. – Eu não sou só um cara legal. Pra falar a verdade? Eu sou um pouco obsessivo quando se trata de compartilhar. Eu me arrepio só de pensar em duas papeladas diferentes para algo tão importante e urgente.

- Mesmo assim - ela disse, - obrigada.

Ele a olhou o máximo que pode. Avery sentiu as bochechas vermelhas e se virou, feliz com a atenção, mas ansiosa para voltar ao trabalho. Felizmente, outro policial o chamou.

- Tenente, temos algo aqui.

- Eu já volto.

O cemitério era calmo, pacato, igual à área onde o corpo de Cindy Jenkins havia sido colocado no Lederman Park. Por que? Avery imaginou. Qual era o significado dos parques? Mentalmente, ela listou as pistas que precisava seguir: Tabitha era uma garota de irmandade como Cindy? Ela era caloura e meio asiática. Então o assassino não poderia estar caçando apenas veteranas ou especificamente garotas brancas. Cindy vinha de uma família estabilizada. E Tabitha? As duas haviam sido raptadas em Cambridge. Por que? Era lá que o assassino morava? Onde Tabitha havia sido visto pela última vez? Quem a viu viva? Seria possível conseguir imagens de câmeras? A lista de perguntas parecia não acabar.

O que nós de fato sabemos? Avery imaginou.

Nada, ela respondeu mentalmente. Nós não sabemos nada.

Ou melhor, ela reavaliou, nós sabemos algo. A possível forma e tamanho do assassino, sua cor, seu modus operandi e as drogas que ele usava nos crimes. Ramirez estava fazendo uma lista de fornecedores de plantas alucinógenas, bem como das concessionárias e sites da internet que vendiam minivans Chrysler. Nós podemos seguir essas pistas. Nós também podemos compartilhar o desenho do assassino com a polícia de Cambridge. Descobrir se algo se encaixa. Nós também podemos tentar seguir a minivan em sua rota depois do Lederman Park.

Eu preciso de mais pessoas, ela pensou. E não de Finley.

Sirenes de polícia soaram.

Policiais começaram a agir.

“Tem alguém fugindo! Tem alguém fugindo!”

Longe dali, em outro caminho visível da posição de Avery, um carro preto, que parecia um Mustang, saiu do cemitério acelerando e cantando pneu. Ray estava mais abaixo, dando ordens. Dois policiais e um fotógrafo em volta do corpo saíram em direção à cena.

- Não, não! – Avery apontou para um dele e chamou. – Você fica aqui! Alguém tem que vigiar o corpo.

Finley, ela pensou. Cadê ele?

O walkie-talkie de Avery começou a tocar.

- Ei, Black - Finley disse, - nós pegamos ele! Eu peguei ele!

- Cadê você? – Ela perguntou em tom de ordem.

- Em um carro da polícia de Watertown com o… Ei, qual seu nome? – Ele disse para alguém.

- Cala a boca, cara! Estou tentando dirigir! – Uma voz desconhecida respondeu.

- Eu não sei - Finley acrescentou, - algum policial. Nós somos o primeiro carro perseguindo o Mustang preto. Sentido noroeste do cemitério. Entre no seu pônei branco logo e venha pra cá. Nós pegamos ele!

CAPÍTULO QUINZE

Avery entrou no carro e ligou uma sirene no teto. A luz vermelha começou a girar. Seu walkie-talkie, um modelo chique e pequeno como um celular, foi deixado de lado. Ao invés dele, ela ligou o receptor do carro e sintonizou na frequência que havia atribuído a Finley.

O carro ligou. Uma pequena ré e ela pisou no acelerador e saiu em direção à Walnut Avenue. As ruas do cemitério eram um labirinto confuso. Em meio a árvores distantes, ela viu o fim da fila dos carros de polícia. Black abandonou a estrada e subiu o carro na grama. Merda, ela pensou, vou me ferrar por isso. Lápides foram desviadas. O carro entrou em outra estrada pavimentada e então ela estava atrás de mais alguns carros de polícia.

 

Avery seguiu a fila para sair do cemitério e em direção à Mt. Auburn Street. Escapou por pouco de bater em dois carros. Uma batida foi ouvida mais atrás. Uma linha de luzes de polícia azuis e vermelhas entrou na Belmont Street.

Avery pegou o speaker do carro.

- Finley - ela chamou – cadê você?

- Ah, cara! - Finley respondeu, - Vocês estão muito atrás. Estamos à frente de todo mundo. Isso é ótimo. Vamos pegar esse filho da puta!

- Cadê você? – Ela ordenou uma resposta.

- Belmont, acabamos de passar Oxford. Não, espere. Ele está virando na Marlboro Street.

Avery olhou para o velocímetro. Cento e cinco… cento e dez. Belmont era uma rua de mão dupla. O lado dela era de uma pista com espaço suficiente para ultrapassar os carros lentos na direita. Felizmente, todos os carros de polícia já haviam desviado o tráfego. Ela chegou ao último carro.

- Vire à esquerda na Unity Avenue agora. – Finley disse no rádio.

A fila de carros da polícia virou à direita na Marlboro e logo depois à esquerda.

- Nós paramos. Paramos! - Finley avisou. – Estou fora do carro. O Mustang está no gramado de uma pequena casa marrom. Entrando na casa.

- Não entre na casa! – Avery gritou. – Você entendeu? Não entre!

A linha ficou silenciosa.

- Porra! – Ela disse em voz alta.

Todos os carros de polícia foram para uma única casa de dois andares com um pequeno gramado sem árvores. O Mustang tinha quase batido na escadaria frontal. O carro de polícia atrás dele, Avery imaginou, era o em que Finley estava.

Avery saiu do carro e puxou a Glock da alça de seu ombro. Outros policiais tinham suas armas em punho. Ninguém parecia saber o que estava acontecendo.

- É o assassino? – Henley perguntou em voz alta.

- Não sabemos - outro policial respondeu.

Gritos vieram de dentro da casa.

Tiros foram ouvidos.

- Vocês dois! – Henley apontou para seus homens. – Vão para os fundos. Não deixem ninguém sair. Sullivan, Temple, sigam olhando para mim.

Ele correu para as escadas e entrou na casa.

Avery se mexeu para ir atrás dele.

- Espere. Espere! – Um policial gritou.

Finley saiu da casa com os braços para cima em sinal de vitória, com a arma nas mãos.

- É isso mesmo - ele disse. – Fim de jogo para o assassino!

- Finley, o que aconteceu? – Avery gritou.

- Eu peguei ele! - Ele declarou, sem nenhum senso de remorso ou etiqueta. – Atirei no filho da puta. Ele puxou uma arma e eu atirei nele. Salvei a vida de alguns policiais e matei o filho da puta. É assim que a gente faz no sul! - Acrescentou, fazendo o sinal de uma gangue que Avery imediatamente reconheceu como a South Boston D-Street Boys.

- Espere aí - ela disse. – Como você sabe que ele é o assassino?

Finley inclinou o pescoço e abriu bem os olhos.

- Ah, sim - ele declarou, - Eu sei que é o assassino. Peguei ele no porão. Muita merda lá embaixo. Você tem que ver para acreditar.

Henley saiu da casa.

- Sullivan - ele chamou, - chame uma ambulância agora e desça no porão. Dickers foi baleado. Ele precisa de ajuda. Travers, quero esse lugar isolado. Ninguém entra. Ninguém sai. Entendido? Ninguém mais pode pisar na cena. Marley! Spade! Venham aqui!

- Eu preciso ver o que tem lá dentro - Avery disse.

- Vá. - Henley apontou. – Ela pode passar, Travers. Ele também. - apontou para Finley. – Mais ninguém. – Para Finley, ele disse: - Vou precisar de um depoimento seu, jovem.

- Sem problemas - Finley disse. – Os heróis contam suas histórias.

- Me conte tudo devagar - Avery disse.

Finley, ainda em pico de adrenalina, estava agitado como nunca.

- Eu fiz o que você disse - ele disse em seu tom rápido e com sotaque, - anotei os nomes daquelas lápides. Muitas garotas, talvez dezoito ou vinte anos, não sei. Não sou bom em matemática. Mortas na Segunda Guerra. Depois vi esse cara velho olhando tudo de longe. Parecia suspeito, sabe? Eu alertei um dos policiais, porque eu sou um cara de grupo e tal, e nós fomos lá conversar com o cara. Nós estávamos na metade do caminho até ele, quando ele fugiu, correu rápido para o carro. Eu nem sabia que caras velhos corriam tão rápido. Começamos a ir atrás. Espere até você ver o que encontramos. Resolvi o caso sozinho. - ele disse e bateu no peito. – Não se preocupe. Eu vou te dar algum crédito – ele acrescentou. – Quem é preguiçoso agora? – Finley gritou para o céu.

Tudo o que Avery escutou foi “lápides… garotas… mortas na Segunda Guerra…”, e anotou mentalmente para descobrir tudo sobre aquelas lápides e as mulheres que lá estavam.

Com a arma em punho, Avery entrou pela porta da frente.

A casa era velha, com cheiro de mofo, como se ninguém morasse ali há muito tempo. Os tapetes eram brancos e sujos. Uma escadaria levava ao segundo andar. Pelo teto, Avery escutou passos e alguém gritou: “Limpo!”

- Por aqui - Finley disse.

Ele a levou pelas escadas. A cozinha ficava na esquerda. Na direita, havia uma porta que levava ao porão. O cheiro estava forte ao redor da porta: corpos em decomposição e óleos perfumados. Óleos, Avery pensou. Talvez esse seja mesmo nosso procurado.

Passos que rangiam no chão levaram a um porão grande e escuro, com piso de pedra. O cheiro era tão forte que Avery quase vomitou: corpos mortos e em decomposição misturados a fragrâncias doces para esconder o odor. Havia purificadores de ar por todos os lados pelo teto. Caixas estavam alinhadas nas paredes, centenas e centenas. O único espaço vazio tinha uma mesa grande com sangue e instrumentos de corte.

No fundo havia uma cama suja.

Havia um corpo morto na cama, praticamente azul e em decomposição há algum tempo, com as pernas abertas e amarradas a pilares, assim como as mãos. O corpo era de uma garota, alguma jovem que Avery imaginou que tivesse morrido anos antes.

Objetos sexuais estranhos estavam por ali: cadeiras de tortura, correntes no teto e um balanço. Uma das caixas estava aberta. Avery olhou dentro e viu de reflexo partes do corpo de uma mulher.

Ela segurou o nariz por causa do cheiro.

- Meu Deus.

- Eu não lhe disse? – Finley perguntou. – Loucura, né?

Um homem morto estava deitado aos pés da cama de madeira. 1,88m ou 1,90m. Era velho e magro, com longos cabelos grisalhos. Por volta de sessenta anos, Avery pensou. Havia uma espingarda em sua mão.

O policial ferido estava sentado, encostado em uma parede sendo ajudado por seu amigo. Por sorte, ele estava de colete, mas alguns tiros acertaram seu pescoço e rosto.

- Minha mulher vai me matar - o policial disse.

- Não - o outro respondeu, - você é um herói.

O porão estava sujo. Montes de poeira por todos os lados. As ferramentas na mesa, a mesa em si e até os equipamentos sexuais claramente nunca tinha recebido uma limpeza. As caixas estavam sujas e quase se decompondo.

- Preciso fazer uma varredura - Avery disse. – Finley, cheque a garagem. Veja se você encontra a minivan e disfarces, plantas, agulhas. Qualquer coisa relacionada ao nosso caso.

- Pra já! - Ele disse e subiu as escadas.

O resto da casa parecia velha e inabitável, sem animais ou plantas. Era mais limpa, mais arrumada que o porão, mas ainda assim cheia de poeira. Não parecia que qualquer outro sinal de perversão seria encontrado nos andares de cima. Imagens alinhadas nas paredes eram cópias pitorescas de artistas como Bruegel e Monet. O suspeito, ao que parecia, ficava mais tempo no segundo andar, onde Avery encontrou suas roupas e objetos pessoais.

Ela foi até o lado de fora.

A vizinhança havia aparecido. As luzes da polícia ainda estavam acesas. Uma pequena multidão havia se formado ao redor da área isolada.

Finley retornou.

- Só uma garagem vazia com um monte de lixo - ele disse.

Uma imagem do assassino já havia se formado na mente de Avery, baseada no que ela havia visto nas fitas das câmeras de segurança e no que ela acreditava pelas experiências anteriores. Ela imaginava jovem forte e elegante, educado e antissocial, um homem que gostava de arte e tinha uma atração por misturas medicinais. O jeito que ele colocava suas mulheres parecia pinturas de Parrish, ou obras de Alphonse Mucha. Similarmente, as drogas que ele usava eram sua arte própria, feitas de muitas plantas e flores raras e ilegais. Ele também era fascinado em detalhes, e limpo, da mesma maneira que os corpos com suas roupas lavadas e pele limpa.

Essa casa?

O homem morto no porão?

George Fine?

Eram todas peças do quebra-cabeças, mas pareciam quebra-cabeças diferentes, com suas próprias peças, e todas as peças estavam espalhadas juntas.

CAPÍTULO DEZESSEIS

Todos no departamento de polícia se levantaram quando Avery e Finley saíram do elevador. Finley aproveitou seu momento de estrela. Ele se curvou, assoviou para os amigos e repetiu algumas vezes, gritando: “Eu sou cara, não é? Vocês viram como é o jeito do Sul de fazer as coisas?

- Bom trabalho! – Os policiais aplaudiram.

- Você pegou ele!

Com a mente em um lugar distante, Avery não escutou nada daquilo. O escritório era uma bolha, sem ninguém dentro. Os sons, apenas ruídos. Imagens apareciam em sua mente: George Fine, Winston Graves e o velho homem morto em seu porão nojento como uma casa de horrores.

O’Malley saiu de seu escritório para apertar a mão de Avery pessoalmente.

- Conte pra mim - ele disse. – Como foi?

- O nome dele é Larry Kapalnapick. Trabalha na Home Depot como carregador - Avery disse. – Ao que parece, todos os corpos no porão já estavam mortos.

- Maldito coveiro! – Finley se intrometeu.

- Ele devia fazer isso há anos - Avery disse. – A polícia de Watertown estima que há partes de pelo menos vinte corpos diferentes no lugar. O mais provável é que ele pegava os corpos, se divertia um pouco, e depois cortava-os e colocava no porão. O departamento do Henley está mandando tudo para o laboratório, apenas para ter certeza.

- Filho da puta - O’Malley murmurou.

Finley riu.

- O filho da puta tinha aromatizantes pendurados pelo teto do porão inteiro.

- E nossa vítima?

- Nós voltamos à cena depois da perseguição. O legista estava lá com os peritos. A Randy diz que foi o mesmo criminoso de Cindy Jenkins, mesmo modus operandi, e pelo cheiro, provavelmente ele usou o mesmo anestésico. Ela vai investigar isso melhor.

- Então, Fine não é o assassino.

- Não pode ser - ela disse. – Ele estava bem preso na noite do crime. Ele é culpado de algo, mas não disso. Como precaução, eu pedi para Thompson e Jones irem até a casa em Quincy Bay. Depois Jones vai continuar buscando as imagens de câmeras da minivan, e Thompson vai encontrar tudo o que ele puder sobre Winston Graves.

- Graves? O namorado da Jenkins.

- A chance é pequena - Avery admitiu. – Enquanto isso, Finley se encarrega do caso Tabitha Mitchell. Ele pode começar já pelos amigos e família.

- Finley?

- Ele trabalhou pra cacete hoje.

Para Finley, ela acrescentou:

- Lembre-se de pensar além de Tabitha Mitchell. Nós precisamos de qualquer ligação entre ela e Cindy Jenkins. História da infância. Professores na faculdade. Comidas favoritas. Atividades pós-aula. Amigos e família. Qualquer coisa.

Com fogo nos olhos, Finley bateu em seu coração.

- Sou seu cão de caça - ele disse.

O capitão olhou para Avery.

- E o que você vai fazer?

Black pensou na minivan azul indo para o oeste de Boston. Ela acreditava que o assassino tinha que morar em Cambridge, Watertown ou Belmont. A soma da população desses lugares era quase duzentos mil. Um mar infinito de diferentes caras.

- Eu preciso pensar - ela disse.

* * *

Avery apontou sua Glock 27 em um alvo distante. Óculos de proteção alaranjados cobriam seus olhos. Plugues haviam sido colocados em seus ouvidos. Ela imaginou o rosto de Howard Randall no lugar do novo assassino sem face. Atirou.

 

Pow! Pow! Pow!

Três tiros atingiram o alvo quase no centro mortal.

Pensar sempre havia sido seu forte. Precisava de algum tempo longe do caso onde ela poderia processar tudo o que sabia.

Uma parede branca apareceu para ela desta vez.

Sem pistas. Sem conexões. Apenas uma parede que a mantinha longe da verdade. Avery não acreditava em paredes como obstáculos. Paredes eram para outras pessoas, outros advogados, outros policiais que simplesmente não sabiam como quebra-las e ver o que outros não podiam ver.

O que eu estou deixando passar?

Pow! Pow! Pow!

Os tiros saíram à direita. No começo da sessão, ela havia acertado todos os tiros perfeitamente no centro. Agora eles estavam desviando. Assim como você, ela pensou. Desviando. Errando o alvo. Deixando algo passar.

Não, ela pensou.

Inspire… Expire…

Pow! Pow! Pow!

Todos exatamente no alvo.

Howard Randall, ela pensou.

De repente, ela se deu conta: É isso. Uma nova perspectiva.

Estúpido, ela pensou. Loucura. Connelly ficaria louco. A imprensa teria um dia dos sonhos. Foda-se a imprensa. Ele faria isso? Claro que faria, ela pensou. Certamente. Ele foi para a cadeia por você. Ele tem essa fascinação louca por você. Ele provavelmente já está acompanhando o caso. Não, ela jurou. Não vou fazer isso. Não vou entrar nessa de novo.

Ela colocou um novo pente na arma.

Atirou.

Pow! Pow! Pow!

Todos os tiros erraram o alvo.

* * *

Na estação de polícia escura, já depois da meia-noite, Avery sentou e debruçou-se sobre sua mesa. Várias fotos estavam espalhadas em sua frente: Cindy Jenkins, Tabitha Mitchell, Lederman Park, o cemitério, o beco, além de frames das imagens da minivan e do assassino.

O que eu estou deixando passar?

Ela analisou as fotos detalhadamente.

Finley já havia feito alguns interrogatórios oficiais. À primeira vista, Tabitha havia sido raptada logo que saíra na rua, assim como Cindy, provavelmente a alguns passos do bar que ela havia visitado na terça à noite. A diferença é que não havia namorado nem admirador de longa data nesse caso. De acordo com os entrevistados, Tabitha estava solteira há algum tempo. Ela era de uma irmandade, a Sigma Kappa, mas as ligações com Cindy acabavam aí. Tabitha era uma caloura de economia. Cindy era uma veterana de contabilidade.

Irmandades.

Seria essa a ligação?

Ela fez uma nota mental para pesquisar os encontros de irmandades em todo o país.

O filme que estava sendo exibido no Omni era sobre três mulheres. A lápide apontava para três mulheres. Isso significava que ele matava trios? O filme e as lápides das garotas da Segunda Guerra podiam ser comparados ou contrastados de muitas maneiras.

Ela pesquisou várias estradas ao redor de Cambridge e Watertown e imaginou onde o assassino poderia morar e porque ele teria escolhido essas estradas. A lista de Chryslers azul-escuros estava sendo agora supervisionada por Finley. Eles já tinham duas mil listadas com donos de carros feitos e vendidos nos últimos cinco anos. E se ele a tivesse comprado há seis anos? Ou sete?

Howard Randall continuava invadindo seus pensamentos. Ela havia até imaginado a voz dele dizendo: “Você pode vir até mim, Avery. Eu não vou lhe morder. Faça-me suas perguntas. Deixe-me ajudar. Eu sempre quis ajudar.”

Ela bateu na própria cabeça.

Saia daqui!

Mesmo assim, a imagem voltou, rindo.