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Memorias de José Garibaldi, volume II

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VI
EXILIO DE RIVERA

Já disse qual era o plano do general Paz quando sahimos de noite de Montevideo.

Este plano se vingasse mudava a face dos negocios e fazia segundo todas as probabilidades levantar o cerco a Oribe, mas tendo falhado completamente este plano, voltamos a occupar o nosso posto ordinario, isto é aos postos avançados que de um e outro lado, se fortificavam cada vez mais, até que nós tivessemos do nosso lado uma linha de bateria que correspondesse ás baterias do inimigo.

Foi por esta occasião que o general Paz partiu, para dirigir a insurreição da provincia de Corrientes, coadjuvando assim a causa nacional, e dividindo as forças do general Urquiza que então fazia frente ao general Rivera.

Infelizmente todos estes projectos não tiveram o exito que se esperava por causa da impaciencia do general Rivera, que sem se importar com as ordens do governo, que lhe prohibiam o acceitar uma batalha decisiva, acceitou essa batalha, perdendo-a nos campos da India Morta.

O nosso exercito foi batido. Dois mil prisioneiros, e talvez mais, foram estrangulados, contra todas as leis da humanidade e da guerra.

Muitos ficaram no campo da batalha, outros foram dispersos pelas immensas planicies. O general Rivera com alguns dos seus alcançou a fronteira do Brazil e foi como causa d'este immenso desastre exilado pelo governo.

Perdida a batalha da India Morta, Montevideo ficou entregue aos seus proprios recursos. O coronel Corrêa tomou o commando da guarnição. Comtudo o cuidado particular da defeza ficou incumbido a Pacheco e a mim. Alguns dos nossos chefes depois d'esta deploravel batalha conseguiram reunir diversos destacamentos dos soldados dispersos e fizeram com elles a guerra de guerrilhas onde o terreno a isso se prestava.

O general Llanos reuniu duzentos homens e preferindo juntar-se aos defensores de Montevideo, lançou-se sobre o inimigo que vigiava o Cerro e abrindo caminho alcançou o forte.

Pacheco recebendo este pequeno reforço teve a idéa de dar um golpe de mão.

A 27 de maio de 1845 embarcámos em Montevideo, durante a noite, a legião italiana e algumas outras forças tiradas do Cerro, e com este pequeno corpo fomo-nos embuscar n'um velho paiol que se achava abandonado.

Na manhã de 28 a cavallaria do general Llanos sahiu, protegida pela infanteria, e attrahiu o inimigo do lado do paiol e quando elle se achava a pequena distancia, os nossos soldados sahiram com a legião italiana á frente e carregando á bayoneta cobriram o terreno de cadaveres.

Então toda a divisão em observação no Cerro se apresentou no campo, e travou-se um mortifero combate que se decidiu em nosso favor.

O inimigo foi posto em completa derrota e perseguido á bayoneta, sendo necessario que viesse repentinamente uma horrivel tempestade para finalisar esta carnificina.

As perdas do inimigo foram consideraveis.

Teve grande numero de feridos e mortos e entre os ultimos figura o general Nunz, um dos melhores e mais bravos generaes inimigos, que foi morto por uma bala dos nossos legionarios.

Tambem apanhámos grande numero de bois, de modo que entrámos em Montevideo com a alegria e esperança no coração.

O feliz resultado d'esta tentativa fez com que propozesse outra ao governo. Tratava-se de embarcar na flotilha a legião italiana, subir o rio, occultando os meus homens o melhor possivel, até Buenos-Ayres, e chegados ahi desembarcarmos de noite, dirigindo-nos á casa de Rosas e fazendo-o prisioneiro, conduzil-o a Montevideo.

Tendo bom exito esta expedição terminava a guerra de um só golpe, mas o governo recusou.

Nos intervalos de repouso concedidos ao nosso exercito, dirigia-me á pequena flotilha e não obstante o bloqueio de que eu enganava a vigilancia, tomava o largo e ia apanhar algum navio mercante, que conduzia prisioneiro até ao porto com grande raiva do almirante Brown.

Outras vezes por manobras bem combinadas, attrahindo sobre mim todas as forças do bloqueio franqueava o porto a navios mercantes que conduziam provisões á cidade sitiada.

Muitas vezes tambem embarcava-me de noite com cem dos meus legionarios os mais resolutos e tentava atacar os navios inimigos, que não podia atacar de dia por causa da grossa artilheria, mas era sempre inutilmente porque o inimigo desconfiando das minhas surprezas não ficava de noite debaixo de ancora, transportando-se para algum sitio distante d'aquelle onde eu o julgava.

Finalmente, um dia sahi com tres pequenos navios, os melhores da esquadra, e resolvi ir atacar o inimigo na bahia de Montevideo.

A esquadra de Rosas compunha-se de tres navios: O 25 de março, O general Echague, e O Maypu.

Estes tres navios tinham quarenta e quatro peças montadas.

Eu tinha unicamente oito peças de pequeno calibre, mas conhecia os meus homens, e estava convencido de que se chegassemos á abordagem o inimigo estava perdido.

Avancei para a esquadra em linha de batalha.

Estavamos quasi a tiro de peça, julgando já todos o combate inevitavel. Os terraços de Montevideo estavam cheios de curiosos; os mastros dos navios de todas as nações estacionados no porto estavam tambem cheios de espectadores.

Todos esperavam com anciedade o resultado do combate que se julgava inevitavel.

Mas o commandante da esquadra argentina não quiz correr o risco d'este combate, e tomou o mar, entrando nós no porto no meio das acclamações geraes.

VII
INTERVENÇÃO ANGLO-FRANCEZA

Os negocios de Montevideo n'esta conjunctura iam o peior possivel, quando a intervenção anglo-franceza veiu pôr um veto ao bloqueio; as duas potencias alliadas apoderaram-se da frota inimiga e dividiram-na.

Resolveu-se então nova expedição sobre o Uruguay.

O fim d'esta expedição era de se apoderar da ilha de Martim-Garcia, da cidade de Colonia e de alguns outros pontos, e principalmente do Salto, pelo qual se poderiam abrir communicações com o Brazil, ao mesmo tempo que se formaria um pé de exercito de terra destinado a substituir o que fôra destruido.

Embarquei duzentos voluntarios na minha pequena frota, e dirigi-me sobre o forte Martim-Garcia. Encontramo-lo abandonado pelo inimigo e occupamo-lo.

A cidade de Colonia da mesma fórma estava abandonada, quando ante ella se apresentaram a esquadra anglo-franceza, e a minha pequena frota.

A legião italiana desceu, combateu e repelliu o general Montero, que com forças superiores se achava do outro lado da cidade.

Durante este tempo as esquadras, não sei dizer com que fim, abriram um vivissimo fogo sobre a cidade abandonada; pozeram as tropas em terra, e estas tropas formaram a nossa reserva contra o general Montero.

Pelas duas horas da tarde fizemos a nossa entrada na cidade.

A legião italiana foi aquartellada n'uma egreja; dei as mais severas ordens para que se respeitassem as menores cousas pertencentes aos habitantes forçados a abandonar suas casas.

Inutil é dizer que os legionarios obedeceram religiosamente ás minhas ordens.

A cidade foi guardada e fortificada pelos nossos, que a guarneceram. As frotas ingleza e franceza entraram no Parana e destruiram, n'um combate que durou tres dias, as baterias que guardavam o curso do rio.

A resistencia do inimigo foi heroica.

Continuei então com a minha pequena frota, composta de um brigue, de uma escuna e outros muitos pequenos vasos, a subir o rio.

Durante todo o tempo que haviamos marchado de conserva o almirante francez e o commodoro inglez me tinham testemunhado a mais viva sympathia, sympathia de que o almirante Lariné particularmente me conservou provas.

Bastantes vezes um e outro vieram assentar-se em nosso bivac, provando da carne que fazia o nosso unico sustento. Anzani, que nos acompanhava em a nossa expedição, partilhou esta honrosa sympathia. Era um d'estes que bastava vel-os para os amar e estimar. Em quanto que a nossa frota subia o Uruguay, vimos reunir-se a nós alguns homens de cavallaria commandados pelo capitão da Cruz, verdadeiro heroe, quero dizer, homem do mais bello caracter e da maior coragem.

Estes poucos homens seguiram a frota costeando o Uruguay, e serviram-nos de muito, a principio como exploradores, depois como fornecedores de viveres.

Occuparam elles differentes paizes, as Vacas, Mercês, etc.

Por toda a parte onde se encontrava o inimigo era batido.

Paysanda, fortaleza da Praça do Uruguay, experimentou se nos esmagava debaixo da sua artilheria; mas, todavia, não nos fez grande mal.

Acima de Paysanda, tomamos posição n'uma estancia chamada o Hervidero onde estivemos muitos dias.

O general Lavalleja tentou sobre nós um ataque de noite com infanteria, cavallaria e artilheria; mas foi repellido com consideraveis perdas pelos nossos legionarios.

De Hervedero escrevi ao governador por intervenção do capitão Montaldi, que voltava a Montevideo n'um navio mercante; mas o navio foi atacado ao passar diante do Paysarda, rodeado pelas embarcações inimigas e tomado depois de uma rigorosa resistencia do capitão Montaldi, que abandonado, só, sobre a ponte foi aprisionado.

Uma multidão de barcos navegando com a bandeira inimiga cahia todos os dias em nosso poder. Deixei á maior parte d'aquelles que os tripulavam a liberdade de voltar para os seus.

Gualeguaychu, cidade situada na margem direita do Uruguay e sobre o Gualeguay, no Entre-rios, cahiu por surpresa em nossas mãos.

Foi ali que eu aprisionei D. Leonardo Millão o mesmo que tendo-me antigamente preso me tinha feito dar o supplicio das cordas.

Soltei-o, sem lhe fazer mal algum, e deixando-lhe como unica punição o medo que havia tido ao reconhecer-me.

Gualeguaychu foi abandonada; não era posição sustentavel; mas pagou uma boa contribuição em dinheiro, roupas e armas.

 

Emfim depois de uma multidão de combates e aventuras chegámos com a esquadra ao logar chamado de Salto, porque o Uruguay fórma n'este logar uma cataracta, e acima d'esta não é navegavel senão por pequenos barcos.

O general Lavalleja que occupava o paiz abandonou-o desde a nossa chegada, forçando todos os habitantes a seguil-o.

De resto o paiz era perfeitamente apropriado á expedição, não se achando longe da fronteira.

Resolvi que ahi nos estabelecessemos.

Por consequencia a minha primeira operação foi marchar contra Lavalleja acampado sobre o Zapevi, affluente do Uruguay.

Durante a noite puz a caminho a nossa infanteria e alguns homens de cavallaria commandados por de la Cruz.

Ao raiar d'alva estavamos perto do campo que achámos defendido de um lado pelos carros, de outro pelo Uruguay, e voltado para o Zapevi.

Formei os meus homens em duas pequenas columnas e com a cavallaria ao meu lado marchei ao encontro do inimigo.

Depois de um combate de alguns minutos, estavamos senhores do campo, passando o inimigo o Zapevi na mais completa desordem.

O resultado d'esta operação foi logo o regresso ao Salto de todas as familias que violentamente haviam sido arrancadas de suas casas.

Fizemos quasi cem prisioneiros ao inimigo, tomando-lhe muitos cavallos, bois, munições, e uma peça de artilheria, a mesma que tinha attirado sobre nós no ataque de Hervidero; era de fundição italiana e tinha no bronze o nome do fundidor, Cosimo Cenni, anno de 1492.

Esta expedição fez a maior honra á legião e teve grandes consequencias. Perto de tres mil habitantes reentraram em seus lares.

Dirigidos por Anzani, os meus legionarios se occuparam logo em elevar uma bateria sobre a praça da cidade, posição que dominava os arredores.

Enviei correios ao Brasil, para me pôr em communicação com os refugiados, e graças a elles, começou a reorganisação de um exercito de campanha.

Em pouco tempo, a bateria foi construida e armada de dois canhões, tão bem, que na noite de 5 de dezembro de 1845, ella se achou prompta para responder aos ataques do general Urquiza, que se apresentou, na manhã de 6 com tres mil quinhentos homens de cavallaria, oitocentos de infanteria e uma bateria de campanha.

As minhas disposições foram aquellas que se tomam quando se quer centuplicar as forças materiaes pela influencia moral.

Ordenei á esquadra que se retirasse e não deixasse uma só barca ao nosso alcance. Espalhei os meus homens pelas ruas, fazendo-lh'as embarricar, e não deixando abertas senão as ruas principaes. Publiquei uma energica ordem do dia, e esperei Urquiza, que confiando na sua força, tinha declarado a seus soldados que os homens que estavam ante si tinham corações de gallinha.

Pelas nove horas da manhã por todos os pontos nos atacou; respondemos-lhe por fogo de atirador sahindo de todas as ruas e pelo fogo das nossas duas pequenas peças.

Chegado o momento, e quando o vi admirado da nossa resistencia, fil-o carregar por duas companhias de reserva, e retirou-se vergonhosamente deixando bom numero de mortos e feridos nas casas de que elle tinha começado a apoderar-se, não ganhando no seu ataque mais que levar-nos algumas alimarias, e isto ainda por falta do piquete de uma embarcação de guerra ingleza, que unida a um navio francez nos tinha seguido até ao Salto.

Estas duas embarcações tinham-se offerecido para nos ajudar a defender o paiz; o piquete inglez mudou em forte uma casa que defendia o curral, onde estavam fechadas perto de seiscentas alimarias. O inimigo enviou um destacamento da sua infanteria sobre este ponto; os soldados inglezes foram tomados de um terror panico, de sorte que uns fugiram pelas janellas, outros pelas portas, e deixaram toda a facilidade aos soldados de Urquiza de levar os animaes.

Durante vinte tres dias o inimigo renovou os seus ataques sem obter resultado algum. Vinda a noite, nós com elles; não lhe deixavamos um momento de descanço. Faltou-nos carne, mas comemos os nossos cavallos. Emfim convencido da inutilidade de seus esforços. Urquiza tomou o partido de se retirar, confessando que tinha nos seus diversos ataques contra nós, perdido mais gente que na batalha da India-Morta.

O inimigo retirando-se tentou apoderar-se das minhas embarcações para passar ao Uruguay; mas graças á minha vigilancia o seu projecto foi frustrado, e foi obrigado a atravessar o rio doze leguas acima; depois do que voltou a acampar-se nos campos de Camardia em frente do Salto.

Em quanto que Urquiza sustentava este acampamento fiz em pleno dia, passar o rio a alguns homens de cavallaria, protegidos pelas nossas embarcações e infanteria.

Este pequeno troço atacou os homens que guardavam um immenso rebanho de cavallos que pastavam nos pampanos, e, repellindo uma centena de cavallos ante si para substítuir os que nós tinhamos comido, lhes fez passar o rio e m'os conduziu antes que o inimigo désse pela surpreza e tentasse impedil-a.

VIII
SUCCESSO DO SALTO SANTO ANTONIO

Entretanto o coronel Baez, vindo do Brazil, tinha-se reunido a nós com perto de duzentos homens de cavallaria.

O general Medina reunia as suas forças, e nós esperavamol-o de dia para dia. Com effeito, a 7 de fevereiro de 1846, recebi uma mensagem d'elle que, me avisava que no dia seguinte se acharia sobre as alturas de Zapevi com quinhentos cavalleiros.

Pedia noticias do inimigo, e um soccorro em caso de ataque.

O seu mensageiro levou o aviso de que a 8 eu estaria com forças suficientes, para proteger sua entrada no paiz, nas alturas do Zapevi.

Em virtude d'isto pelas nove horas parti com cento cincoenta homens da legião e duzentos cavalleiros, costeando o Uruguay.

Dirigimo-nos ás Laperas, a tres leguas pouco mais ou menos do Salto, flanqueados por quatrocentos inimigos pertencentes ao corpo do general Servando Gomes, unicas forças, que n'aquelle momento se achavam em observação no Salto.

A nossa infanteria tomou posição sob um zapère– um zapère é um tecto de palha suspenso por quatro paus – o qual não nos offerecia outra vantagem senão de nos livrar dos abrasadores raios do sol.

A cavallaria, commandada pelo coronel Baez e o major Carvalho, estendia-se até ao Zapevi.

Anzani tinha ficado em defeza do Salto, doente de uma perna, e com elle doentes tambem trinta ou quarenta soldados.

Alem d'isto uma duzia de homens estavam de guarda á bateria.

Eram perto das onze horas da manhã; vi avançar, das planicies do Zapevi para as alturas onde eu me achava um consideravel numero de inimigos a cavallo; quasi ao mesmo tempo apercebi-me de que cada cavalleiro trazia um soldado de infanteria na garupa. E com effeito a pouca distancia das alturas em que me achava, os cavalleiros se alargaram e pozeram em terra seus companheiros os quaes logo se prepararam a marchar sobre nós.

A nossa cavallaria abriu fogo contra o inimigo; mas, como a sua superioridade de numero era muita foi posta promptamente em fuga.

Fugindo a nossa cavallaria, se dirigiu para o zapère ao qual já chegavam as ballas inimigas.

Então, comprehendendo que a verdadeira resistencia era com os meus bravos legionarios, e que onde elles estivessem estaria a victoria, corri em sua direcção; mas, quando chegava ás primeiras fileiras no meio do fogo inimigo, senti repentinamente que o meu cavallo me faltava debaixo do corpo, e cahindo me arrastava comsigo.

Minha primeira idea foi que vendo-me cahir, a minha gente ia julgar-me morto e que esta supposição poderia pôl-os em desordem. Quando cahi tive, pois, a presença de espirito de tirar uma pistolla dos coldres, e alevantando-me logo, desfechei-a para o ar, afim de que se visse que estava são e salvo.

Defeito, haveria apenas tempo de me vêr em terra quando já estava levantado e cercado dos meus.

Entretanto o inimigo avançava sempre, com mil e duzentos homens de cavallaria e trezentos de infanteria.

Abandonados pela nossa cavallaria, tinhamos ficado ao todo cento e oitenta e dois. Eu não tinha tempo de fazer um longo discurso; além de que tambem não era esse o meu forte. Elevei a voz e não disse senão estas palavras:

– Os inimigos são numerosos; nós somos poucos; tanto melhor! quanto menos somos tanto mais glorioso será o combate. Socego e não façamos fogo senão no fim e carreguemos á bayoneta.

Estas palavras eram ditas a homens sobre os quaes cada uma d'ellas fazia o effeito de uma faisca electrica.

Além disso, qualquer outra determinação teria sido funesta. A perto de uma milha sobre a direita tinhamos o Uruguay com alguns pequenos bosques; mas uma retirada em tal crise, teria sido o signal da perda de todos; tinha-o já comprehendido por isso não pensei em tal.

Chegada quasi a sessenta passos de nós a columna inimiga fez uma descarga que nos causou grande damno; mas os nossos lhe responderam por uma fuzilaria muito mais mortifera, tanto mais que as nossas espingardas eram carregadas não só de ballas, mas ainda de outros projectis.

O commandante da infanteria cahiu mortalmente ferido; as filas abriram-se, e, á frente dos meus bravos com uma espingarda na mão eu os metti n'uma carga pronunciada.

Era tempo: a cavallaria estava já sobre os flancos, e na rectaguarda.

A refrega foi terrivel.

Alguns homens da infanteria inimiga deveram sua salvação a uma fuga rapida. Isto deu-me tempo de fazer frente á cavallaria.

A nossa gente rodou como se cada um houvesse recebido ordem de executar esta manobra.

Todos combateram, officiaes e soldados, como gigantes.

Uma vintena de cavalleiros então, conduzidos por um bravo official chamado Vega, tendo vergonha da fuga de Baez e da sua gente, que nos deixavam sós, voltaram a toda brida, estimando mais partilhar a nossa sorte que continuar uma retirada vergonhosa.

Vimol-os repentinamente atravessar pelo meio do inimigo e collocar-se a nosso lado.

Havia, eu vol-o affirmo coragem n'esta resolução.

Alem d'isto a carga que elles executaram juntando-se a nós, serviu-nos muito n'este critico momento porque separou e fez cahir o inimigo do qual uma parte se tinha posto em perseguição dos fugitivos.

Tambem na nossa segunda descarga a cavallaria vendo a sua infanteria destruida e vinte cinco ou trinta homens dos seus cahir debaixo do nosso fogo, fez um passo de retirada e poz em terra perto de seiscentos homens que armando-se de caravinas nos rodearam de todos os lados.

Tinhamos ao redor de nós um espaço de terreno coberto de cadaveres de cavallos e homens assim nossos como inimigos.

Poderia contar innumeraveis actos de bravura individual.

Todos combateram como os nossos antigos heroes do Tasso e de Ariosto; muitos estavam cobertos de feridas de toda a sorte, ballas, golpes de sabre, e pontadas de lança.

Um joven clarim de quinze annos que nós chamavamos o vermelho, e que nos animava durante o combate com o seu clarim, foi ferido com uma lançada. Largar o clarim, tomar o sabre e lançar-se sobre o cavalleiro que o tinha ferido, foi obra de um instante.

Só depois de o ferir, é que expirou.

Depois do combate os dois cadaveres foram encontrados agarrados um ao outro. O mancebo estava coberto de feridas; o cavalleiro tinha na coxa da perna o signal de uma profunda mordedura que lhe havia dado o seu inimigo.

Do lado dos nossos adversarios houve tambem actos de prodigiosa temeridade. Um d'elles vendo que a especie de curro ao redor do qual estavamos agrupados, se não era uma fortaleza contra as ballas, era pelo menos um abrigo contra o sol, tomou um tissão inflammado, correu a cavallo a toda a brida, e passando lançou como um relampago o tissão sobre o tecto de palha.

O tissão cahiu por terra sem preencher o fim do cavalleiro; mas o que tinha ali deitado tinha executado uma acção temeraria.

Os nossos iam atirar sobre elle; e eu impedi-os bradando:

– É preciso conservar os bravos; são da nossa raça.

Ninguem lhe fez fogo.

Era para ver-se como todos estes bravos me escutavam.

Uma palavra minha dava força aos feridos, coragem aos hesitantes, e redobrava o ardor dos fortes.

Quando vi o inimigo dizimado pelo nosso fogo, cançado da nossa resistencia, então sómente fallei de retirada, dizendo apenas: Retiremo-nos! mas:

– Retirando-nos não deixaremos um só ferido no campo de batalha.

– Não! não! gritaram todas as vozes.

Feridos eramos nós quasi todos.

Quando vi todos silenciosos e firmes, dei tranquillamente ordem de retirar combatendo.

Por felicidade não tinha uma beliscadura, o que me permittia de estar em toda a parte, e quando um inimigo se aproximava de nós temerariamente fazia-o arrepender da sua temeridade.

 

Os poucos homens sãos que havia entre nós cantavam hymnos patrioticos aos quaes os feridos respondiam em côro.

O inimigo nada d'isto comprehendia. O que nós mais soffriamos era falta de agua.

Uns arrancavam raizes e mastigavam-n'as; outros sugavam nas ballas; alguns beberam a propria ourina.

Emfim veiu a noite e com ella algum frescor.

Serrei os meus homens em columna, e colloquei os feridos no meio.

Sómente dois que era impossivel transportar deixei no campo de batalha. Recommendei muito á minha gente de não se dispersar, e de retirar na direcção de um pequeno bosque.

O inimigo tinha-se apoderado d'elle antes de nós, mas foi repellido d'ahi vigorosamente.

Enviei então exploradores, que voltaram a dizer-me que o inimigo tinha quasi toda a sua gente em terra, e os cavallos andavam pastando. Sem duvida havia-se elle persuadido que a causa da nossa paragem era a fome e falta de munições; mas fome não a sentiamos; quanto a munições, tinhamos encontrado nos nossos adversarios mortos o que nos faltava.

Todavia o mais difficil ainda não estava feito.

O inimigo estava acampado entre nós e o Salto: depois de um descanço de uma hora, que lhe fez julgar que ficariamos toda a noite onde estavamos, ordenei á minha gente de se formar em columna, e a marche-marche lançámo-n'os impetuosos sobre elles.

Os clarins inimigos soaram dando o signal de pôr a postos; mas antes que cada homem se fixasse na sella e tomasse as rédeas, nós tinhamos já passado.

Dirigimo-nos de novo para uma especie de bosque. Uma vez abrigado entre as arvores dei ordem a todos os meus de se deitarem com o ventre para terra. O inimigo dirigia-se para nós, sem nos ver, tocando á carga.

Deixei-o approximar a cincoenta passos do bosque e então sómente gritei «Fogo» dando eu o exemplo.

Vinte e cinco ou trinta homens e outros tantos cavallos cairam; o inimigo voltou á brida, e reentrou no seu acampamento. Então disse aos meus:

– Vamos, meus filhos, julgo que chegou o momento de ir beber.

E costeando sempre o nosso pequeno bosque, levando nossos feridos, tendo a distancia os nossos mais implacaveis inimigos, que não queriam abandonar-nos, ganhamos a margem do rio. Á entrada da aldeia esperava-nos uma grande emoção: Anzani estava ali chorando de alegria.

Abraçou-me primeiramente e quiz abraçar todos os outros depois de mim.

Anzani tambem tinha tido seu combate: tinha sido com alguns homens atacado pelo inimigo, que antes do combate lhe tinha intimado de se render, dizendo-lhe que eramos todos mortos ou prisioneiros.

Mas Anzani havia respondido:

– Os italianos não se rendem; descampae todos ou então esmago-vos com os meus esquadrões. Em quanto eu tiver comigo um dos meus companheiros, combateremos juntos, e quando estiver só, então porei fogo á polvora e me farei saltar comvosco pelos ares.

O inimigo não quiz saber mais nada, e retirou-se. A minha gente que se achava no Salto encontrando tudo em abundancia dizia dirigindo-se a mim:

– Tu nos salvaste a primeira vez; mas Anzani nos salvou segunda!

No seguinte dia escrevi esta carta á commissão da legião em Montevideo:

«Irmãos.

«Antes de hontem tivemos nos campos de Santo Antonio, a legua e meia da cidade, o mais terrivel e mais glorioso de nossos combates. As quatro companhias da nossa legião e vinte homens de cavallaria, refugiados sob a nossa protecção, não sómente se defenderam contra mil e duzentos homens de Servando Gomes, mas destruiram inteiramente a infanteria inimiga que os tinha assaltado no numero de trezentos homens. O fogo começou ao meio dia e acabou á meia noite.

«Nem o numero dos inimigos, nem suas cargas repetidas, nem sua massa de cavallaria, nem os ataques de espingardeiros a pé, poderam nada contra nós; ainda e que não tivessemos outro abrigo mais que um curro arruinado sustido por quatro pilares, os legionarios repelliram constantemente os assaltos dos inimigos furiosos; todos os officiaes se transformaram em soldados n'este dia; Anzani que tinha ficado no Salto e ao qual o inimigo intimou ordem de se render, respondeu com o morrão na mão e o pé na bateria, ainda que o inimigo lhe havia assegurado que nós eramos todos mortos ou prisioneiros.

«Tivemos trinta mortos e cincoenta feridos; todos os officiaes foram feridos levemente, excepto Scarone, Saccarello mais velho e Traversi.

«Hoje não dou o meu nome de legionario italiano por um mundo de ouro.

«Á meia noite pozemo-nos em retirada sobre o Salto; ficámos pouco mais de cem legionarios sãos e salvos. Os que só haviam sido levemente feridos marchavam á frente para cortar o inimigo quando elle se adiantasse muito.

«Ah! é um combate o qual merece ser gravado em bronze!

«Adeus! D'outra vez serei mais extenso. Vosso,
José Garibaldi.

«P. S. Os officiaes feridos são Casana, Marochetti, Beruti, Remorini, Saccarello mais novo, Sacchi, Grafigna e Rodi.»

Foi esta a nossa ultima refrega importante em Montevideo.