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Alerta Vermelho: Confronto Letal

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Märgi loetuks
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CAPÍTULO 25

“Como é que as coisas correram por ali?” Perguntou Ed.

Estavam no limite da pista do helicóptero a observar uma multidão de pessoas a trepar para um helicóptero acabado de aterrar e a correrem para a segurança da entrada de Mount Weather. Luke reconheceu o Representante do Vermont entre eles.

Encolheu os ombros. “Disse-lhes o que sabia. Agradeceram-me e transmitiram-me que preferiam acreditar noutra coisa.”

“Parece-me bem,” Disse Ed.

“Não querem entrar em guerra com o Irão,” Declarou Luke.

“Não os posso censurar. A guerra é um inferno.” Reconheceu Ed.

Na pista, o controlador de tráfego acenava na direção de Luke e Ed com os seus instrumentos cor de laranja, indicado-lhes que podiam avançar. Abaixaram-se e correram para o helicóptero. Só havia uma pista ativa nesta entrada e os helicópteros chegavam e partiam a cada dois minutos ou menos.

E o helicóptero levantou logo voo, mal Luke e Ed entraram. Ed fechou a porta a mais de seis metros do chão. Luke afundou-se no banco e colocou o cinto de segurança. Estavam sozinhos dentro de uma máquina construída para levar oito passageiros. Muitos dos civis a trabalhar para o governo fugiam de Washington, D.C. para Mount Weather. Não eram muitos os que regressavam à cidade.

Olhou para o relógio. Marcava 12:35. Já tinham passado mais de onze horas desde que Don lhe ligara e trinta horas desde que acordara ontem de manhã. Contando o número de vezes em que tinha passado pelas brasas, provavelmente dormira uns trinta minutos desde ontem.

Elevaram-se acima do extenso complexo. Depois, ficou rapidamente para trás e a vista assumiu contornos diferentes: florestas verdes e montanhas baixas e rugosas. O céu estava enxameado de helicópteros aguardando a sua vez de aterrar. Olhando para leste, era visível uma vasta fila de helicópteros em espera até à linha do horizonte. Luke olhou à sua volta. Em baixo via-se uma autoestrada. As faixas no sentido oeste mostravam a proximidade entre veículos. Nas faixas no sentido leste circulavam apenas alguns carros.

“Vai ser uma boa noite para o negócio hoteleiro em West Virginia,” Previu Ed.

“Pensilvânia, Maryland, Carolina do Norte,” Acrescentou Luke. “Não vai haver um quarto vazio num raio de trezentos quilómetros.”

Ed concordou. “E muito gente a dormir em carros.”

Luke olhou com atenção para o rosto de Ed. Tinha-se lavado na casa de banho, por isso estava limpo. Mas os Serviços Secretos tinham-no maltratado bastante, bastante mais que a Luke. Talvez fosse uma espécie de vingança pelos dois agentes neutralizados na Sala Oval. Talvez fosse porque era negro. Era difícil dizer. Mas a verdade é que tinha o olho fechado de tão inchado que estava. Tinha uns inchaços escuros na linha do maxiliar que iriam degenerar em nódoas negras. E parecia cansado. Exausto.

“Estás com um aspeto de merda.”

Ed encolheu os ombros. “Devias ver como ficou o outro tipo.”

“Vais apresentar queixa?”

“Ed abanou a cabeça e sorriu. “Não, se calhar só te processo por imprudência. Tens o seguro por negligência em dia?”

Luke riu-se. “Boa sorte. Por falar nisso, já não estamos suspensos.”

Ed ergueu uma sobrancelha. “Eu estive suspenso?”

“Não sei. Se calhar estiveste ou se calhar não. Mas agora já não estás de certeza. Para além disso, agora tens um novo chefe.”

“Ah sim? Quem?”

Luke olhou para a autoestrada. O engarrafamento já ia para além do que a vista alcançava. “O Presidente dos Estados Unidos da América,” Disse.

CAPÍTULO 26

13:15

McLean, Virginia – Quartel-general da Special Response Team

Luke nunca tinha olhado com atenção para as fotos que cobriam as paredes do gabinete de Don Morris. A verdade é que Luke também nunca tinha estado no gabinete de Don sem nada para fazer. Geralmente Don estava lá dentro quando Luke entrava.

As fotos eram incríveis. Numa delas, um Don muito mais jovem estava com Arnold Schwarzenegger, a mostrar ao ator um lança-granadas MK-19. Numa outra foto, Don aplica um movimento de jiu-jitsu a Mark Wahlberg. Wahlberg está invertido, de pernas para o ar, a cabeça prestes a colidar com o colchão. Luke sabia que por vezes Don era consultado por Hollywood para os ajudar a tornar as suas falsidades de celulóide em algo vagamente realista.

Mas havia mais. Don a receber o que parecia ser uma Estrela de Bronze das mãos de Jimmy Carter. Don a apertar a mão de Ronald Reagan. Don com Bill Clinton. Don com um braço paternal à volta de Susan Hopkins. Don junto a um rio com o atual Presidente da Câmara dos Representantes, ambos com equipamento de pesca. Don a discursar perante um comité do Congresso.

Luke pressentiu alguém atrás de si.

“Olá, filho.” Cumprimentou-o Don.

“Olá, Don. Belas fotos.” Luke voltou-se para ele. “Muito ocupado, hem?”

Don entrou na sala, trajando camisa e calças. A linguagem corporal de Don era relaxada, mas os olhos eram duros. Sentou-se à secretária e indicou a cadeira à sua frente.

“Senta-te. Descomprime.”

E Luke assim o fez.

“Política…” Disse Don, “… é guerra por outros meios. Em grande medida consegui que esta unidade continuasse a existir trabalhando em rede. Os nossos fazem um excelente trabalho mas se quem está no poleiro não sabe disso, então ficamos sem trabalho. Para os tipos das estatísticas, nós somos um item numa linha, tão importantes como os Diversos.”

“Ok,” Disse Luke.

“Vejo que tomaste banho,” Observou Don. “Sentes-te melhor?”

Luke assentiu. Os balneários ali eram de primeira categoria. E ele mantinha duas mudas de roupa no cacifo mesmo quando estava de licença. Não estava a cem porcento mas sentia-se muito melhor do que antes.”

“Foi por pouco hoje, hem?”

“Já passei por situações mais complicadas,” Disse Luke.

Don sorriu. “De qualquer das formas, estou contente por não teres morrido.”

Luke devolveu-lhe o sorriso. “Eu também.”

“Continuamos amigos?” Perguntou Don.

Luke não sabia como responder àquela pergunta. Trabalhavam juntos há muito tempo. Até hoje, não tinha havido um momento, nem um, em que Luke não tivesse a certeza de que Don o apoiaria. Hoje tinham ocorrido dois momentos desse tipo. E em ambos os casos, os instintos de Don tinham-no traído. Don corria numa direção e a verdade dirigia-se a alta velocidade na direção contrária. Se Luke tivesse dado ouvidos a Don, o Presidente, a Vice-Presidente e muitas outras pessoas teriam morrido.

Era uma mudança profunda. Era como se um icebergue do tamanho do Kentucky se afastasse da Antártica e caísse no oceano. Era uma coisa incrível de testemunhar, mas cujas implicações eram ainda mais inacreditáveis.

Afinal, talvez Don estivesse mesmo a ficar velho. Talvez pressentisse o fim da Special Response Team, a organização que construíra ao longo de dez anos, e tivesse medo. Talvez o seu desvanecimento lhe fornecesse uma perspetiva da sua própria mortalidade. Talvez enevoasse o seu discernimento. Luke estava disposto a acreditar nisso.

“Seremos sempre amigos,” Respondeu Luke.

“Ótimo,” Disse Don. “Agora ouve, ainda estás suspenso, não os consegui fazer mudar de opinião. Penso que mudarão mas poderá levar um ou dois dias por isso, vou-te mandar para casa. Concordas?”

“Don–“

“Não te preocupes, filho. De qualquer das formas estás de licença. Depois de tudo o que fizeste, mereces uns dias de folga. Caraças, estás com um aspeto miserável!”

“Tenho novas ordens, Don.”

O rosto de Don estava firme. “Sob a autoridade de quem?”

Luke olhou-o diretamente nos olhos. “Do Presidente. Ele pediu-me para continuar a seguir as pistas que tínhamos esta manhã e depois informar a sua equipa de segurança em Mount Weather. Gostava de o fazer com o pessoal aqui na SRT mas transmitiu-me que se tivesse problemas, colocariam os recursos dos Serviços Secretos à minha disposição.”

Don sorriu, um sorriso que não se refletiu nos olhos. Luke não gostou disso. A SRT estava à beira do desastre e agora o Presidente retirava agentes a Don. Mesmo assim, Don tinha que agir sobriamente. Isto não tinha nada a ver com egos ou orçamentos de agências. Tratava-se pura e simplesmente de trabalho.

Don olhou para a sua secretária. “Bem, se o Presidente o ordenou, não sou eu que vou dizer que não. Nem o Diretor do FBI. Até ordens em contrário, tens tudo à tua disposição.”

*

A cabeça decepada de Trudy Wellington surgiu no ecrã plano na parede.

Luke, Ed Newsam, Don Morris e meia dúzia de elementos da Special Response Team estavam sentados na sala de conferências. Comida a sério estava espalhada na longa mesa preta – sanduíches da pastelaria próxima do quartel-general. A de Luke era de carne de vaca e chucrute em pão de centeio.

Olhou para Ed que também tinha tomado um banho e mudado de roupa. Usava agora um macacão preto da SRT. Pressionava contra o olho uma compressa fria. Devorara duas sanduíches e tinha uma enorme caneca de café à sua frente. A caneca era preta com letras vermelhas que diziam: JET FUEL. Ed estava alerta, imponente, formidável – um homem completamente diferente de há meia hora atrás. Para lá do rosto cansado e do olho inchado, era o mesmo homem que Luke conhecera essa manhã.

“Conseguem ouvir-me bem?” Perguntou Trudy.

“Ouvimos-te bem,” Respondeu Don.

“A imagem de vídeo está boa?”

“Está ótima. O Swann está contigo?”

“Está mesmo atrás de mim. Ele é que estabeleceu este uplink.”

“Ótimo,” Disse Don. “Que têm para nós?”

“Bem, temos o caos,” Replicou Trudy. “A Guarda Nacional foi mobilizada. Todos os veículos de todas as pontes e túneis fora de Manhattan estão a ser revistados. O tráfego está congestionado em todo o lado. Reboques estão a rebocar os carros estacionados para abrirem faixas de emergência para veículos. As estações de metro foram encerradas pela polícia. Apenas uma entrada e uma saída estão abertas em cada estação de metro e cada pessoa que aparece é revistada. Todas as malas são abertas. As filas atingem vários quarteirões. As multidões em Times Square tornaram-se tão grandes que a polícia fechou a estação de metro da área e evacuou a praça. Pelo menos dez mil pessoas caminham para norte rumo a Central Park. Há relatos de vandalismo generalizado na área, sobretudo vidros de lojas partidos.”

 

“E que mais?” Perguntou Don.

“Neste preciso momento, centenas de milhares de pessoas estão a atravessar Brooklyn, Manhattan, Williamsburg, as pontes da 59th Street, George Washington e da 138th Street fora de Manhattan. Parece uma repetição do 11 de Setembro. As pessoas estão calmas, mas nem quero pensar em como as coisas estariam se o ataque tivesse acontecido aqui.”

“Mais alguma informação sobre aquela carrinha da lavandaria?” Perguntou Luke. “Não sabemos que tipo de materiais radioativos foram usados no ataque à Casa Branca e com aquela carrinha ainda à solta, há sempre a possibilidade de ocorrer um segundo ataque.”

“Estamos a tentar localizá-la,” Respondeu Trudy. “Lembram-se do Eldrick Thomas? Ele foi encontrado num parque de estacionamento junto ao Porto de Baltimore. Aquele parque está localizado logo a seguir a uma saída da I-95. É um local conhecido de tráfico de droga e prostituição, por isso a polícia de Baltimore tem câmaras de vigilância em cima e em baixo da faixa que desemboca no parque. A câmara de baixo, situada logo à entrada do parque de estacionamento, foi desativada, provavelmente pelas pessoas que pretendia monitorizar. A câmara de cima ainda está operacional. Swann, podes carregar esses vídeos?”

O ecrã dividiu-se. No lado esquerdo, Trudy olhava para atrás para algo não visível na câmara. No lado direito, surgiram imagens de vídeo desfocadas. Mostravam uma estrada com quatro faixas e um semáforo, vazia.

“Recebemos isto há meia hora atrás,” Informou Trudy. “Por qualquer motivo, a polícia de Baltimore não as queria fornecer. A dada altura pensei que íamos ter que recorrer a um juiz federal.”

Enquanto assistiam ao vídeo, surgiu no ecrã uma carrinha de entregas branca. O logótipo na parte lateral da carrinha era bem visível. Dun-Rite Laundry Services. A carrinha virou à direita, ficando de frente para a câmara.

“Ok, Swann, podes parar aqui,” Disse Trudy. “Podem ver a matrícula. Está desfocada mas conseguimos decifrá-la. Matrícula comercial de Nova Iorque, AN1-2NL. Estas são as mesmas matrículas que estavam na carrinha quando a apanhámos na câmara próxima do Center Medical Center. Agora reparem quando se vai embora.”

O vídeo avança e a carrinha desaparece para logo de seguida regressar, desta vez de costas para a câmara. Luke conseguia perceber qualquer coisa laranja desfocada no local da matrícula.

“Isto foi vinte minutos mais tarde,” Esclareceu Trudy. “Vêem a matrícula? É uma matrícula residencial de Nova Iorque, 10G-4PQ. Agora vejam quando a carrinha vira à esquerda para voltar à autoestrada. Viram? O logótipo da lavandaria desapareceu. Muito inteligente.”

“E o que estamos a fazer para a detetar?” Questionou Luke.

“Há APBs em cada força da polícia municipal num raio de quinhentos quilómetros. Os helicópteros da Polícia Estadual de Maryland e Virginia encontram-se no ar com imagens paradas destes vídeos, a passar a pente fino todas as carrinhas que encontram nas estradas.”

“E se a estacionaram numa garagem?” Perguntou Ed.

Trudy abanou a cabeça. “Não interessa. As últimas oito horas de imagens de todas as câmaras de tráfego de Maryland e da Virginia foram entregues a uma empresa da Índia. Neste momento, quatrocentas pessoas em Delhi estão a ver o tráfego gravado com um único objetivo: ver cada carrinha branca e encontrar uma com matrículas cor de laranja de Nova Iorque que tenha inscrito 10G-4PQ. Quanto mais depressa a encontrarem, mais bónus a empresa e os trabalhadores recebem. Alguém vai detetar aquela carrinha muito em breve e logo que o façam, vai ser muito fácil rastrear cada semáforo em que passe até parar.”

“Quem quer que siga naquela carrinha vai ficar desesperado,” Disse Luke. “Já perderam dois homens. Se pressentirem que nos estamos a aproximar, o mais certo é fazerem-se explodir. Quando alguém encontrar a carrinha, quero que a SRT esteja no local. Temos que os apanhar vivos.”

“Vamos dar o nosso melhor,” Disse Trudy. “Mas não podemos guardar tudo para nós. Há cinquenta forças de polícia e uma dúzia de agências de inteligência com esta informação. Se a guardássemos só para nós, corríamos o risco de nunca os encontrarmos.”

“Compreendo isso,” Respondeu Luke. “Mas se levarmos o Little Bird, podemos chegar a qualquer local e aterrar em qualquer terreno rapidamente. Dá-nos só um toque.”

“Assim farei,” Disse Trudy.

“E o Ali Nassar?”

“Vou-te passar ao Swann.”

Trudy desapareceu do ecrã e surgiu o rosto de Mark Swann. “Luke, enviámos uma equipa de três homens ao apartamento do Nassar. Infelizmente, chegaram tarde demais. Quando chegaram, o Nassar já estava a sair com um contingente de segurança da missão iraniana. Estavam armados. Não quisemos arriscar um tiroteio de rua e, para ser honesto, os nossos estavam em menor número e tinham menos armas.”

“Para onde foram?”

“Isto foi antes do ataque à Casa Branca por isso o trânsito fluía sem problemas. Levaram o Nassar para a missão iraniana na Third Avenue. O sítio está bem protegido. Era preciso um exército e algumas baixas, para entrar lá e o trazer. Não havendo uma declaração de guerra, não o faremos e mesmo que o fizéssemos, provavelmente íamos encontrá-lo morto.”

“Merda,” Deseperou Luke.

“Mas não te apoquentes,” Disse Swann. “A CIA conseguiu colocar mais de duzentos microfones naquele edifício ao longo dos anos. Onze ainda estão ativos. É um edifício grande mas a voz de Nassar foi captada em pelo menos dois dispositivos. Houve uma grande discussão quando chegaram. Tudo em Farsi, o que não nos adianta muito, mas a CIA tem tradutores e a minha ligação Langley deu-me uma ideia do que estava a ser dito. Vão pô-lo fora do país, o mais tardar hoje.”

“E como é que vão fazer isso? Todos os voos estão cancelados e os aviões em terra.”

Swann levantou um dedo. “Todos os voos comerciais estão cancelados. Os voos privados ainda operam. Há um avião privado no aeroporto Kennedy pronto a partir. A missão iraniana está a alguns quarteirões do Túnel Midtown. Quando o tráfego normalizar, é um percurso rápido do túnel pela via rápida Van Wyck até ao aeroporto.”

“Podemos prendê-lo se sair?”

Swann encolheu os ombros. “O DPNI e a Segurança Interna não estão a cooperar. Acho que o Begley está lixado por tu teres razão e vai intrometer-se nisto. Podíamos ser nós a prender o Nassar se estivermos dispostos a lutar por ele, e se não sair disfarçado ou despachado na mala de um carro.”

“Quero cada saída da missão vigiada,” Disse Luke. “Não o podemos deixar escapar, mesmo que implique–“

“Luke? Luke?” A voz de Trudy estava de volta mas não o rosto. “Luke, estamos a receber informações sobre a carrinha. Foi detetada. Encontraram-na num ferro-velho em D.C. nordeste. Está estacionada. Dentro de trinta segundos vamos obter imagens de satélite.”

Luke já estava de pé. Olhou para a cadeira de Ed Newsam, já vazia. A segurar a porta da sala de conferências, já se encontrava Ed.

“Estou à tua espera,” Disse Ed.

Luke olhou para a sala de conferências. Don estava sentado na sua cadeira, a olhar em frente.

“Don?”

Ele assentiu com a cabeça.

“Vai.”

CAPÍTULO 27

13:45

Ivy City – Nordeste de Washington, D.C.

O homem era um fantasma.

Não tinha nome. Não tinha família. Não tinha identificação. Se tivessem recolhido as suas impressões digitais, elas não constariam de nenhum registo criminal ou militar. Tinha um passado, é claro que tinha, mas isso agora não importava. Tinha-se libertado dessa vida passada e tinha-se libertado do homem que outrora vivera essa vida. Agora vivia numa espécie de eterno presente. E o presente tinha as suas vantagens.

Deitou-se de barriga para baixo no telhado de um edifício abandonado de três andares. Ele e a sua espingarda de longo alcance, a THOR M408. Pensava nela como o poderoso THOR e estavam unidos como se fossem um. Ele era o seu sistema de suporte de vida, a fonte da sua expressão criativa.

À sua volta, o telhado estava atulhado de lixo. Roupas, caixas e velhos micro-ondas, uma televisão a preto e branco destruída. Via-se ainda um carrinho de compras enferrujado e toda a unidade de tração do que parecia ter sido uma carrinha pickup. Como e porquê alguém a teria transportado lá para cima…

Nem valia a pena pensar.

Apesar de estar completamente arruinado, o edifício apenas tinha sido recentemente abandonado. À força, claro. Até àquela manhã, era a casa de oito viciados em heroína que ali se recolhiam durante a noite. Os colchões manchados, as roupas espalhadas, as agulhas sujas e os seus patéticos haveres estavam espalhados por vários quartos. Distribuídos pelas paredes e escadas, estavam os seus graffitis sem nexo. E o homem tinha passado por entre tudo aquilo a caminho do telhado. Era um triste espetáculo.

Os viciados foram reunidos e dali retirados antes do sol raiar. O homem não fazia ideia de qual seria o seu destino e, na verdade, nem queria saber. Estavam no caminho por isso, tinham que ser removidos. Serem mortos seria, muito provavelmente, um favor que se faria a toda a gente, incluindo a eles próprios.

O homem respirou fundo e fechou os olhos durante alguns segundos. Quando os abriu, voltou a apontar para o alvo. Estava deitado sob o que restava de um velho toldo verde, do tipo que as pessoas usam para proteger os quintais da chuva. O silenciador gigante da espingarda, era a sua única parte visível ao exterior. Sim, estava confiante de que ninguém o via. E ninguém ouviria o tiro quando fosse disparado.

A mira apontava para a porta do passageiro de uma carrinha branca estacionada num ferro-velho a dois becos de distância dali. A poderosa mira criava a ilusão de que a porta da carrinha estava apenas a alguns centímetros de distância. O homem teria preferido atirar agora, mas o reflexo do sol tornava difícil ver através da janela. De qualquer das formas, as instruções dadas indicavam que aguardasse até à abertura da porta e saída do sujeito.

E tudo se resumia a isso. Esperar até que a porta se abrisse e um homem saísse. Disparar um tiro na cabeça do homem. Desmontar o poderoso THOR. Sair de debaixo do toldo e encaminhar-se para a rua. Um carro igual a tantos outros estaria à sua espera em frente ao edifício. Sentar-se-ia no banco do passageiro e deixaria que alguém que não conhecia o conduzisse dali para fora.

Havia mais pormenores como um sem-abrigo bêbado que vaguearia no ferro-velho para se aliviar e se encarregaria de remover telefones ou outros dispositivos de comunicação detetáveis. Mas isso não lhe dizia respeito e nada mais sabia a sobre a missão do sem-abrigo. As ruas em redor estavam repletas de vagabundos maltrapilhos embebedados com vinho ou cerveja. Podia ser qualquer um deles.

O homem no telhado não era um sem-abrigo. Vestia um uniforme de manutenção castanho e quando saísse do edifício estaria a carregar uma caixa de ferramentas. Ninguém olharia para ele duas vezes. Podia ser um representante do senhorio ausente que tivesse ido arranjar algum problema menor no edifício.

Até lá, esperaria. A observar a porta daquela carrinha.

*

Já nada fazia sentido.

Ezatullah Sadeh estava sentado no lugar do passageiro da frente da carrinha branca. Acabara de acordar de um sono febril repleto de visões de pesadelo. O seu corpo e roupa estavam encharcados de transpiração.

Tremia apesar de ter a consciência que o dia estava quente. Vomitara no início do dia e não vomitara mais. Olhou para o telefone e viu que a tarde já ia avançada. Também viu que não tinha mensagens.

A confiança que sentira nessa manhã, há muito que se evaporara. Fora substituída pela confusão. Estavam estacionados num campo sujo com ervas daninhas e repleto de carros de sucata e lixo. Fora dos portões do ferro-velho, avistava-se um bairro de lata. Uma típica terra árida de cimento americana com lojas sombrias encavalitadas umas nas outras, multidões de mulheres com sacos de plástico e à espera em paragens de autocarro, homens bêbados em esquinas a segurar latas de cerveja em sacos de papel castanhos. Dali, conseguia ouvir os sons do bairro. Tráfego automóvel, música, gritos e risos.

 

As últimas instruções que recebera recomendavam que se dirigisse àquele terreno. Isso fora logo de manhã em Baltimore, mesmo antes de perderem o Eldrick. Ezatullah nunca acreditara plenamente na conversão de Eldrick à vontade de Alá e nunca o conseguira nomear pelo seu nome islâmico, Malik. Naquele momento, parecia uma pena que Eldrick tivesse entrado em pânico e fugido como fez, apenas a alguns passos da glória. Mas agora…

Agora, Ezatullah não tinha a certeza.

Quando ali tinham chegado, o portão estava fechado. Ninguém lhe tinha dado essa informação. Tiveram que cortar as pesadas correntes com uma torquês. Tanto ele como Mohammar estavam tão fracos por essa altura que mal conseguiram concluir a tarefa. Chegaram ali, estacionaram a carrinha entre dois carros arruinados e esperaram. E passadas todas essas horas, ainda estavam à espera.

Bem, tecnicamente, “eles” não estavam à espera. Mohammar tinha morrido nessa manhã. Ezatullah perdera a noção do tempo, mas a dada altura quando o sol nasceu, virara-se para dizer alguma coisa a Mohammar. Mas Mohammar já não ouvia nada. Estava morto, sentado muito direito no lugar do condutor. Ele era o único sobrevivente. Partindo do princípio de que Eldrick morrera nas ervas altas, todos os homens de Ezatullah, toda a sua célula, estavam mortos.

Ezatullah tinha enviado uma mensagem com a informação da morte de Mohammar, mas não obtivera resposta. Suspirou ao pensar nisso. Esperava que o sacríficio de Mohammar tivesse agradado a Alá. Mohammar ainda não tinha vinte anos e apesar de muito inteligente, sob muitos aspetos ainda era uma criança.

Ezatullah esmurrou o painel do carro, frustrado. O soco foi fraco. O nome dele significava “Louvado Seja Deus,” e ele só desejava que esta operação fosse o seu grande testemunho, a sua exibição pública de fé. Agora, tal nunca aconteceria.

O ataque tinha decorrido sem a sua interferência. Tinha visto notícias da explosão da Casa Branca no telefone. Tal indicava que ele e o seu grupo tinham, desde o início, sido um mero chamariz. Eles nunca seriam os autores do ataque. Tinham sido conduzidos àquele beco sem saída, e pura e simplesmente abandonados. Era difícil encarar aquela realidade. Ezatullah sempre se considerara um valioso operacional. Contudo, da atual situação apenas podia concluir que era um mero peão a ser usado e descartado.

E o ataque, apesar de espetacular, tinha fracassado. Algumas pessoas pouco importantes tinham morrido e o Presidente tinha conseguido fugir incólume. Deveriam ter confiado em Ezatullah. Ele teria feito o trabalho como devia ser feito. Abanou a cabeça perante a estupidez de tudo.

De súbito, recebeu uma mensagem no telefone.

Estamos orgulhosos. Portaste-te bem e tudo será clarificado a seu tempo. Um carro verde espera-te na rua. Vem agora, Mujahideen.

Ezatullah olhou incrédulo para a mensagem. Era quase impossível de acreditar, depois de todas aquelas horas. Se fosse verdade, então não o tinham traído. Agora, após o fim da operação, enviavam alguém para o salvar e o levar para casa.

Mas hesitou. Atrevia-se a confiar?

Finalmente, compreendeu que era possível. É claro que os mandantes não lhe contariam cada detalhe do ataque. Não lhe seria permitido o acesso a toda a informação. Era uma operação perigosa e difícil com muitas pessoas envolvidas. Os outros tinham que estar protegidos. Se Ezatullah tivesse sido capturado, mesmo sob tortura da CIA, apenas podia dizer aquilo que sabia. Recebera dinheiro mas não sabia de quem. Recebera instruções, mas não sabia de onde. Tinha um objetivo, mas mudara diversas vezes e ele não sabia porquê.

“Levanta-te,” Disse para si próprio. “Levanta-te e vai ter com eles.”

Podia safar-se. Bastava-lhe abrir a porta e ir para a rua. Estava doente, sim, mas eles podiam tratar dele. Afinal, estavam nos Estados Unidos. Uma clínica médica de fundo de quintal com um médico sem licença, seria sempre um exemplo de grande modernidade em comparação com o que se encontrava noutros países.

Tudo bem. Então estava resolvido. Iria viver para lutar mais um dia. O seu grande momento de afirmação chegaria noutra altura, num outro campo de batalha.

Destrancou a porta e abriu-a. Ficou surpreendido com a forma como a porta cedeu tão facilmente. Talvez tivesse mais força do que pensava. Olhou uma última vez para o jovem Mohammar.

“Adeus, meu amigo,” Disse. “Foste corajoso.”

Algures a não muita distância, ouviram-se sirenes. Estavam a aproximar-se. Talvez tivesse ocorrido outro ataque ou talvez fosse um dia normal num bairro problemático. Ezatullah balançou o seu corpo e deslizou para fora da carrinha. Os pés pisaram no chão do parque de estacionamento e apercebeu-se que apesar de se conseguir manter em pé, as pernas não estavam firmes. Tentou dar um passo e depois outro. Louvado fosse Alá, ainda conseguia andar.

Fechou a porta da carrinha e respirou fundo. A última coisa que viu foi o céu azul e a luminosidade de um dia quente de Junho.