Alvo Zero

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–E se for? Ele perguntou.

—Se é alguém que eu conheço, Maya continuou, eu verifico a janela lateral – cuidadosamente – para ver se há mais alguém com a pessoa. Se houver, eu chamo o Sr. Thompson para vir e investigar.

—E se alguém tentar forçar a porta?

–Então, vamos para o porão e entramos na sala de ginástica, ela falou. Uma das primeiras reformas que Reid fez ao entrar foi ter a porta da pequena sala no porão substituída por outra de aço por dentro. Tinha três fechaduras pesadas e dobradiças de liga de alumínio. Era à prova de balas e à prova de fogo, e a equipe de tecnologia da CIA que o instalara alegava que precisaria de uma dúzia de aríetes da SWAT para derrubá-la. Isso efetivamente transformou a pequena academia em uma sala de segurança.

–E então? Ele perguntou.

–Nós chamamos o Sr. Thompson primeiro, disse ela. E então nove e um. Se nos esquecermos de nossos celulares ou não conseguirmos acessá-los, há um telefone fixo no porão pré-programado com o número dele.

–E se alguém invadir, e você não puder chegar ao porão?

–Então, vamos para a saída mais próxima disponível, Maya disparou. Uma vez lá fora, fazemos o máximo de barulho possível.

Thompson tinha um monte de limitações, mas dificuldade de ouvir não era uma delas. Certa noite, Reid e as garotas estavam com a TV muito alta enquanto assistiam a um filme de ação, e Thompson veio correndo ao som do que achava que poderiam ter sido tiros.

–Mas devemos sempre ter nossos telefones conosco, no caso de precisarmos fazer uma ligação assim que estivermos em algum lugar seguro.

Reid assentiu com aprovação. Ela recitou todo o plano – exceto uma parte pequena, mas crucial.

–Você esqueceu algo.

–Não, eu não. Ela franziu a testa.

–Quando estiver em algum lugar seguro, e depois de ligar para Thompson e as autoridades…?

–Ah, certo. Então ligamos para você imediatamente e informamos o que aconteceu.

–OK.

–Ok? Maya levantou uma sobrancelha. Ok, como, você vai nos deixar sozinha desta vez?

Ele ainda não gostava da ideia. Mas seria só por algumas horas, e Thompson estaria bem ao lado.

–Sim, disse ele, finalmente.

Maya soltou um suspiro de alívio.

–Obrigada. Nós ficaremos bem, eu juro. Ela o abraçou novamente, brevemente. Virou a cabeça para baixo, mas depois pensou em outra coisa.

–Posso fazer apenas mais uma pergunta?

–Certo. Mas eu não posso prometer que vou responder.

–Você vai começar a… viajar, de novo?

—Ah. Mais uma vez a pergunta dela o pegou de surpresa. A CIA lhe ofereceu o emprego de volta – na verdade, o próprio diretor da Inteligência Nacional havia exigido que Kent Steele fosse reintegrado, mas Reid ainda não tinha dado uma resposta, e a Agência ainda não havia exigido uma. Na maioria dos dias ele evitava completamente pensar nisso.

—Eu… gostaria de dizer não. Mas a verdade é que eu não sei. Eu ainda não me decidi. Ele fez uma pausa antes de perguntar:

– O que você pensaria se eu voltasse?

–Você quer minha opinião? Ela perguntou surpresa.

–Sim eu quero. Você é honestamente uma das pessoas mais inteligentes que conheço e sua opinião é muito importante para mim.

–Quero dizer… por um lado, é bem legal, saber o que eu sei agora.

–Sabendo o que você acha que sabe, Reid corrigiu.

–Mas também é bem assustador. Eu sei que há uma chance muito real de você se machucar, ou… ou algo pior. Maya ficou quieta por um tempo.

–Você gosta disso? Trabalhar para eles?

Reid não respondeu diretamente a ela. Estava certa; a provação pela qual ele passara tinha sido aterrorizante e ameaçara sua vida mais de uma vez, assim como a vida de ambas as garotas. Não suportaria se algo acontecesse com elas. Mas a dura verdade – e uma das maiores razões pelas quais ele se mantinha tão ocupado ultimamnte – era que gostava disso e sentia falta disso. Kent Steele ansiava pela caçada.

Houve um tempo, quando tudo isso começou, que ele reconhecia essa parte dele como se fosse uma pessoa diferente, mas isso não era verdade. Kent Steele era um pseudônimo. Ele ansiava por isso. Sentia falta disso. Era uma parte dele, tanto quanto ensinar e criar duas garotas. Embora suas lembranças fossem confusas, era parte de seu eu maior, sua identidade, e não fazer aquilo era como uma estrela do esporte sofrer uma lesão que acabasse com a sua carreira: trouxe consigo a pergunta: Quem sou eu, se não for ele?

Não precisou responder à pergunta dela em voz alta. Maya podia ver em seu olhar a mil metros.

–Qual é o nome dela de novo? Ela perguntou de repente, mudando de assunto.

Reid sorriu timidamente. Maria—

–Maria, disse ela pensativa. Certo. Aproveite o seu encontro. Maya desceu as escadas.

Antes de seguir, Reid teve uma pequena reflexão tardia. Abriu a gaveta de cima da cômoda e remexeu na parte de trás até encontrar o que estava procurando – uma garrafa velha de colônia cara, que não usava há dois anos. Era a favorita de Kate. Ele cheirou o difusor e sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Era um aroma familiar e almiscarado que carregava consigo uma enxurrada de boas lembranças.

Ele borrifou algumas vezes o perfume no pulso e passou em cada lado do pescoço. O cheiro era mais forte do que ele lembrava, mas agradável.

Então, outra memória passou por sua visão.

A cozinha na Virgínia. Kate está com raiva, apontando para alguma coisa na mesa. Não apenas com raiva, ela está com medo. Por que você tem isso, Reid? Ela pergunta acusadoramente. E se uma das meninas tivesse encontrado? Me responda!

Ele afastou a visão antes que a inevitável enxaqueca aparecesse, mas isso não tornou a experiência menos perturbadora. Não conseguia se lembrar de quando ou por que essa briga aconteceu; ele e Kate raramente discutiam, e na memória ela parecia assustada – ou com medo do que quer que eles estivessem discutindo a respeito, ou possivelmente com medo dele. Nunca lhe dera uma razão para se amedrontar. Pelo menos não que ele pudesse se lembrar…

Suas mãos tremiam quando uma nova percepção o atingiu. Não conseguia se lembrar, o que significava que poderia ter sido suprimida pelo implante. Mas por que quaisquer memórias de Kate foram apagadas com o Agente Zero?

–Papai! Maya o chamou do fundo das escadas. Você vai se atrasar!

—Sim, ele murmurou. Chegando. Ele teria que encarar a realidade de que ou ele procurava uma solução para seu problema, ou as lembranças ocasionais que ressurgiam continuariam a se arrastar, confusas e dissonantes.

Mas enfrentaria essa realidade mais tarde. Agora tinha uma promessa a cumprir.

Ele desceu as escadas, beijou cada uma de suas filhas no topo da cabeça e saiu para o carro. Antes de caminhar pela calçada, ele se certificou de que Maya havia acionado o alarme, e então entrou na SUV prateada que havia comprado algumas semanas antes.

Mesmo que estivesse muito nervoso e certamente excitado em ver Maria de novo, ele ainda não conseguia sacudir a bola de medo em seu estômago. Não podia deixar de sentir que deixar as meninas sozinhas, mesmo que por pouco tempo, era uma péssima ideia. Se os eventos do mês anterior lhe ensinaram alguma coisa, foi em primeiro lugar que não faltavam ameaças para vê-lo sofrer.

CAPÍTULO TRÊS

—Como você está se sentindo esta noite, senhor? A enfermeira da noite perguntou educadamente quando ela entrou em seu quarto de hospital. O nome dela era Elena, ele sabia, e era suíça, embora falasse com ele em inglês com um sotaque acentuado. Ela era baixinha e jovem, a maioria diria bonita, e bem alegre.

Rais não disse nada em resposta. Ele nunca respondia. Apenas olhou quando ela colocou um copo de isopor em sua mesa de cabeceira e começou a inspecionar cuidadosamente suas feridas. Sabia que sua alegria era supercompensação por seu medo. Sabia que não gostava de estar no quarto com ele, apesar da dupla de guardas armados atrás dela, observando cada movimento seu. Ela não gostava de tratá-lo, nem de falar com ele.

Ninguém gostava.

A enfermeira, Elena, inspecionou suas feridas com cautela. Ele podia dizer que ela estava nervosa perto dele. Sabiam o que tinha feito; que havia matado em nome de Amun.

Ficariam com muito mais medo se soubessem quantos, pensou ironicamente.

–Você está se curando muito bem, ela disse a ele. Mais rápido do que o esperado. Ela dizia aquilo a ele todas as noites, o que para ele significava espero que você vá embora daqui em breve.

Isso não era uma boa notícia para Rais, porque quando estivesse finalmente bem o suficiente para sair, provavelmente seria enviado para um buraco horrível no chão, um local escuro da CIA no deserto, para ganhar mais ferimentos enquanto o torturavam por informações.

Como Amun, nós aguentamos. Esse tinha sido seu mantra por mais de uma década, mas esse não era mais o caso. Amun não existia mais, até onde Rais sabia; sua ação em Davos havia fracassado, seus líderes tinham sido detidos ou mortos, e todas as Agências de segurança do mundo sabiam deles, o glifo de Amun que seus membros tinham queimando a pele.

Rais não tinha permissão para assistir à televisão, mas recebeu notícias de seus guardas policiais armados, que falavam com frequência (e com bastante afinco, muitas vezes para o aborrecimento de Rais).

Ele próprio tirou a marca de sua pele antes de ser levado ao hospital em Sion, mas acabou sendo em vão; eles sabiam quem era e pelo menos um pouco do que tinha feito. Mesmo assim, a cicatriz irregular e manchada de rosa, onde a marca já estivera em seu braço, era um lembrete diário de que Amun não existia mais, e assim parecia apropriado que seu mantra mudasse.

Eu aguento.

Elena pegou o copo de isopor, cheio de água gelada e um canudo.

 

–Você gostaria de algo para beber?

Rais não disse nada, mas ele se inclinou para a frente e separou os lábios. Ela guiou o canudo na direção dele com cautela, com os braços totalmente estendidos e travados nos cotovelos, o corpo reclinado em ângulo. Estava com medo; quatro dias antes, Rais tentara morder o Dr. Gerber. Seus dentes tinham raspado o pescoço do médico, nem mesmo rasgou a pele, mas ainda assim, justificou um soco no queixo vindo de um de seus guardas.

Rais não tentou nada dessa vez. Tomou goles longos e lentos através do canudo, aproveitando o medo da menina e a ansiedade tensa dos dois policiais que o observavam atrás dela. Quando terminou, ele se inclinou para trás novamente. Ela suspirou audivelmente de alívio.

Eu suporto.

Ele havia sofrido bastante nas últimas quatro semanas. Havia sofrido uma nefrectomia para remover seu rim perfurado. Havia sofrido uma segunda cirurgia para extrair uma parte de seu fígado dilacerado. Havia sofrido um terceiro procedimento para garantir que nenhum de seus outros órgãos vitais tivesse sido danificado.

Passou vários dias na UTI antes de ser transferido para uma unidade médico-cirúrgica, mas nunca saiu da cama onde estava algemado pelos dois pulsos. As enfermeiras o viraram e mudaram sua comadre e o mantiveram tão confortável quanto puderam, mas ele nunca teve permissão para se levantar, ficar de pé, para se movimentar por vontade própria.

As sete facadas em suas costas e uma em seu peito foram suturadas e, como a enfermeira noturna, Elena, continuamente lhe lembrava, estava curando bem. Ainda assim, havia pouco que os médicos pudessem fazer sobre os danos nos nervos. Às vezes, suas costas inteiras ficavam dormentes, até os ombros e ocasionalmente até os bíceps. Não sentia nada, como se aquelas partes de seu corpo pertencessem a outra pessoa.

Outras vezes acordava de um sono sólido com um grito na garganta enquanto uma dor lancinante rasgava através dele como uma tempestade de raios furiosa. Nunca durou muito, mas era aguda, intensa e vinha de forma irregular. Os médicos os chamavam de —ferrões, um efeito colateral visto às vezes naqueles com danos nos nervos tão extensos quanto os dele. Eles asseguraram-lhe que esses ferrões frequentemente desapareciam e paravam por completo, mas não podiam dizer quando isso aconteceria. Em vez disso, disseram que tinha sorte de não haver danos na medula espinhal. Eles disseram que teve sorte de ter sobrevivido aos ferimentos.

Sim, sorte, pensou amargamente. Sorte que estava se recuperando apenas para ser empurrado para os braços de um lugar escuro da CIA. Sorte de ter tempos de trabalho, tudo eliminado ao longo de um único dia. Sorte de ter sido vencido não uma, mas duas vezes por Kent Steele, um homem que ele odiava, detestava, com todas as forças possíveis de seu ser.

Eu aguento.

Antes de sair do quarto, Elena agradeceu aos dois oficiais em alemão e prometeu levar-lhes café quando voltasse mais tarde. Depois que ela foi embora, retomaram o posto do lado de fora de sua porta, que estava sempre aberta, e retomaram a conversa, algo sobre um recente jogo de futebol.

Rais era bastante versado em alemão, mas as particularidades do dialeto suíço-alemão e a velocidade com que falavam tornava o entendimento confuso, às vezes. Os oficiais do turno diurno geralmente conversavam em inglês, e foi assim que ele recebeu muitas de suas notícias sobre os acontecimentos do lado de fora do seu quarto de hospital.

Ambos eram membros do Escritório Federal de Polícia da Suíça, que exigia que ele tivesse dois guardas em seu quarto o tempo todo, vinte e quatro horas por dia. Eles revezavam em turnos de oito horas, com uma dupla totalmente diferente de guardas às sextas-feiras e ao fim de semana.

Sempre havia dois, sempre; se um policial tivesse que usar o banheiro ou comer alguma coisa, primeiro teria que ligar para chamar um dos guardas de segurança do hospital e aguardar a chegada dele. A maioria dos pacientes em sua condição e com esta recuperação provavelmente teria sido transferida para um centro de trauma de nível inferior, mas Rais permaneceu no hospital. Era uma instalação mais segura, com suas unidades trancadas e guardas armados.

Sempre havia dois. Sempre. E Rais havia determinado que isso poderia funcionar a seu favor.

Teve muito tempo para planejar sua fuga, especialmente nos últimos dias, quando os níveis de medicação diminuíram e ele pôde pensar com lucidez. Passou por vários cenários em sua cabeça, vários e vários. Memorizou horários e interceptou conversas. Não demoraria muito para que o dispensassem – uma questão de dias, no máximo.

Tinha que agir, e decidiu que faria isso hoje à noite.

Seus guardas se tornaram complacentes ao longo das semanas de sentinela do lado de fora de sua porta. Eles o chamavam de —terrorista, e sabiam que era um assassino, mas além do incidente com o Dr. Gerber alguns dias antes, Rais não tinha feito nada além de ficar em silêncio, quase imóvel, e permitir que a equipe cumprisse suas obrigações. Se ninguém estava na sala com ele, os guardas mal prestavam atenção, a não ser ocasionalmente olhavam para ele.

Não tentou morder o médico por maldade ou malícia, mas por necessidade. Gerber estivera debruçado sobre ele, inspecionando a ferida em seu braço, onde cortara a marca de Amun – e o bolso do jaleco branco do médico roçara os dedos da mão algemada de Rais. Ele pulou, estalando as mandíbulas, e o médico deu um pulo para trás assustado quando os dentes roçaram seu pescoço.

E uma caneta-tinteiro permaneceu firme no punho de Rais.

Um dos oficiais de plantão lhe dera um duro soco no rosto e, no momento em que o golpe o acertou, Rais enfiou a caneta sob os lençóis, colocando-a sob a coxa esquerda. Ali ficou por três dias, escondida sob os lençóis, até a noite anterior. Ele havia tirado o objeto enquanto os guardas conversavam no corredor.

Com uma das mãos, incapaz de ver o que estava fazendo, separou as duas metades da caneta e retirou o cartucho, trabalhando devagar e com firmeza para que a tinta não se derramasse. A caneta era de ponta de ouro de estilo clássico. Ele colocou a metade de volta sob o lençol. A metade de trás tinha um clipe de bolso de ouro, que ele cuidadosamente ergueu e afastou com o polegar até que se soltasse.

A algema em seu pulso esquerdo permitia um pouco menos de 30 centímetros de mobilidade para seu braço, mas se esticasse a mão até o limite, poderia alcançar os primeiros centímetros do suporte da cabeceira. A mesa era simples, de tábuas de madeira lisa, mas a parte de baixo era áspera como uma lixa.

No decorrer das exaustivas e dolorosas quatro horas na noite anterior, Rais gentilmente esfregou o clipe da caneta para frente e para trás ao longo da parte inferior da mesa, tomando cuidado para não fazer muito barulho. Com cada movimento, ele temia que o clipe escorregasse de seus dedos, ou que os guardas notassem o movimento, mas seu quarto estava escuro e estavam em profunda conversa. Ele trabalhou e trabalhou até afiar o clipe como uma agulha. Então, o clipe desapareceu sob os lençóis também, ao lado da outra parte.

Sabia, por meio de trechos de conversas, que haveria três enfermeiras noturnas na unidade, Elena, com outras duas de plantão, se necessário. Elas, além de seus guardas, significavam pelo menos cinco pessoas com quem ele teria que lidar, e no máximo sete.

Ninguém dentre a equipe médica gostava de atendê-lo, sabendo quem era, então eles verificavam o quarto com uma baixíssima frequência. Agora que Elena tinha feito o que precisava fazer, Rais sabia que teria algo entre sessenta e noventa minutos antes que ela pudesse voltar.

Seu braço esquerdo estava preso por uma contenção padrão do hospital, o que os profissionais às vezes chamavam de —quatro ponteiros—. Era uma algema azul macia que ficava em volta do pulso com uma cinta de nylon branca justa em volta, a outra extremidade ficava firmemente presa no corrimão de aço da cama dele. Por causa da gravidade de seus crimes, seu pulso direito estava algemado.

Os dois guardas do lado de fora conversavam em alemão. Rais ouviu atentamente; o da esquerda, Luca, parecia estar reclamando que sua esposa estava engordando. Rais quase zombou; Luca estava longe de ser magro. O outro, um homem chamado Elias, era mais jovem e atlético, mas tomava café em doses que deveriam ser letais para a maioria dos humanos.

Todas as noites, entre noventa minutos e duas horas em seu turno, Elias telefonava para o guarda noturno para que pudesse se aliviar. Enquanto estava fora, Elias saía para fumar um cigarro, de modo que, com o intervalo do banheiro, significava que geralmente gastaria de oito a onze minutos. Rais passara as últimas várias noites contando em silêncio os segundos das ausências de Elias.

Era uma janela de oportunidade muito estreita, mas para a qual estava preparado.

Ele alcançou sob seus lençóis o clipe afiado e segurou-o nas pontas dos dedos de sua mão esquerda. Então, cuidadosamente, jogou-o em um movimento de arco sobre seu corpo. O clipe aterrissou com destreza na palma da mão direita.

Em seguida, viria a parte mais difícil do seu plano. Ele puxou o pulso para que a corrente da algema estivesse esticada e, enquanto a segurava dessa maneira, torceu a mão e passou a ponta afiada do clipe para dentro do buraco da fechadura ao redor do corrimão de aço.

Era um movimento difícil e desajeitado, mas havia escapado de algemas antes; sabia que o mecanismo de captura era projetado de modo que uma chave universal pudesse abrir praticamente qualquer algema, e conhecer o funcionamento interno de uma fechadura significava simplesmente fazer os ajustes certos para acionar os pinos lá dentro. Ele teve que manter a corrente esticada, no entanto, para evitar que a braçadeira batesse contra o corrimão e alertasse seus guardas.

Levou quase vinte minutos, virando-se, fazendo pequenas pausas para aliviar seus dedos doloridos e tentando de novo, mas finalmente a fechadura estalou e a algema se abriu. Rais retirou-a cuidadosamente do corrimão.

Uma mão estava livre.

Estendeu a mão e apressadamente soltou a parte esquerda.

Ambas as mãos estavam livres.

Ele guardou o clipe sob os lençóis e retirou a metade superior da caneta, segurando-a na palma da mão de modo que apenas a ponta afiada estivesse exposta.

Do lado de fora de sua porta, o oficial mais jovem se levantou de repente. Rais segurou o fôlego e fingiu estar dormindo quando Elias olhou para ele.

—Ligue para Francis, certo? Disse Elias em alemão. Eu tenho que mijar.

–Claro, disse Luca com um bocejo. Ligou para o guarda noturno do hospital, que normalmente estava atrás da recepção no primeiro andar. Rais havia visto Francis muitas vezes; era um homem mais velho, com mais ou menos cinquenta anos, talvez com sessenta e poucos anos, com um corpo magro. Carregava uma arma, mas seus movimentos eram lentos.

Era exatamente o que Rais esperava. Não queria lutar contra o policial mais novo em seu estado ainda em recuperação.

Três minutos depois, Francis apareceu de uniforme branco e gravata preta, e Elias correu para o banheiro. Os dois homens do lado de fora trocaram gentilezas enquanto Francis pegava o assento de plástico de Elias com um suspiro pesado.

Era hora de agir.

Rais cuidadosamente deslizou para o final da cama e colocou os pés descalços no azulejo frio. Já fazia algum tempo desde que usara as pernas, mas estava confiante de que seus músculos não haviam atrofiado a ponto de deixá-lo na mão.

Ficou de pé com cuidado, em silêncio, e então seus joelhos se dobraram. Agarrou a beira da cama em busca de apoio e lançou um olhar para a porta. Ninguém veio; as vozes continuaram. Os dois homens não ouviram nada.

Rais ficou trêmulo, ofegante e deu alguns passos silenciosos. Suas pernas estavam fracas, com certeza, mas ele sempre foi forte quando necessário, e precisava ser forte agora. Sua roupa de hospital fluiu ao redor dele, aberta na parte de trás. A roupa só o impediria, então ele a puxou, ficando descaradamente nu no quarto do hospital.

A outra parte da caneta em seu punho, ele tomou uma posição logo atrás da porta aberta, e soltou um assobio baixo.

Os dois homens ouviram, aparente pela repentina raspagem das pernas das cadeiras quando se levantaram de seus assentos. A silhueta de Luca encheu a porta enquanto ele olhava para o quarto escuro.

—Mein Gott! Ele murmurou quando entrou apressadamente, notando a cama vazia.

Francis seguiu com sua mão no coldre da arma.

Assim que o guarda mais velho passou, Rais saltou para a frente. Enfiou o objeto na garganta de Luca e torceu, rasgando sua carótida. O sangue espirrou generosamente da ferida aberta, e parte dele espirrou na parede oposta.

 

Ele soltou o objeto e correu para Francis, que estava lutando para sacar sua arma. Sacar, engatilhar e mirar – a reação do guarda mais velho foi lenta, custando-lhe vários segundos preciosos que ele simplesmente não tinha.

Rais bateu em dois golpes, o primeiro para cima logo abaixo do umbigo, imediatamente seguido de um golpe para baixo no plexo solar. Um deles forçava a entrada de ar nos pulmões, enquanto o outro forçava o ar a sair, e o súbito e dissonante efeito que provocava em um corpo confuso era, em geral, visão embaçada e, às vezes, perda de consciência.

Francis cambaleou, incapaz de respirar, e caiu de joelhos. Rais girou atrás dele e, com um movimento preciso, quebrou o pescoço do guarda.

Luca agarrou sua garganta com as duas mãos enquanto sangrava, murmúrios e leves suspiros subindo em sua garganta. Rais observou e contou os onze segundos até o homem perder a consciência. Sem parar o fluxo sanguíneo, estaria morto em menos de um minuto.

Ele rapidamente pegou as armas dos dois guardas e as colocou na cama. A próxima fase do seu plano não seria fácil; teria que se esgueirar pelo corredor, sem ser visto, até o armário de suprimentos onde haveria roupas de reposição. Não podia muito deixar o hospital no uniforme reconhecível de Francis, ou no agora ensanguentado uniforme de Luca.

Ele ouviu uma voz masculina no corredor e congelou.

Era o outro oficial, Elias. Tão cedo? A ansiedade subiu no peito de Rais. Então ele ouviu uma segunda voz – a enfermeira da noite, Elena. Aparentemente, Elias tinha pulado o intervalo do cigarro para conversar com a bela jovem enfermeira, e agora ambos estavam indo pelo corredor em direção ao seu quarto. Passariam por ele por um breve momento.

Ele preferiria não ter que matar Elena. Mas se fosse uma escolha entre ele e ela, ela morreria.

Rais pegou uma das armas da cama. Era uma Sig P220, toda preta, calibre .45. Pegou-a com a mão esquerda. O peso parecia agradável e familiar, como uma velha chama. Com a direita ele segurou a metade aberta das algemas. E então ele esperou.

As vozes no corredor ficaram em silêncio.

—Luca? Elias gritou.  Francis? O jovem oficial soltou a alça do coldre e segurou a pistola enquanto entrava no quarto escuro. Elena rastejou atrás dele.

Os olhos de Elias se arregalaram de horror ao ver os dois homens mortos.

Rais bateu o gancho da algema aberta na lateral do pescoço do jovem e depois puxou o braço para trás.

O metal bateu em seu pulso, e as feridas em suas costas queimaram, mas ignorou a dor quando rasgou a garganta do jovem. Uma quantidade substancial de sangue respingou e correu pelo braço do assassino.

Com a mão esquerda, ele pressionou a Sig contra a testa de Elena.

–Não grite, disse ele rapidamente e em silêncio. Não chore. Fique em silêncio e viva. Faça um som e morra. Você entendeu?

Um pequeno grito irrompeu dos lábios de Elena quando ela sufocou o soluço subindo. Ela assentiu, mesmo com lágrimas nos olhos. Mesmo quando Elias caiu para a frente, de cara no chão de azulejos.

Ele a olhou de cima a baixo. Era delicada, mas suas roupas eram um pouco folgadas e o cós elástico.

–Tire suas roupas, disse a ela.

A boca de Elena se abriu em horror.

Rais zombou. Ele podia entender a confusão, no entanto; afinal, ele ainda estava nu. Eu não sou esse tipo de monstro, ele assegurou. Eu preciso de roupas. Eu não vou perguntar de novo.

Tremendo, a jovem tirou a blusa e tirou as calças, tirando-as sobre os tênis brancos, enquanto estava na poça do sangue de Elias.

Rais pegou-as e vestiu-as um pouco desajeitadamente com uma mão enquanto mantinha o Sig na garota. As roupas estavam justas e as calças um pouco curtas, mas seriam boas o bastante. Enfiou a pistola na parte de trás da calça e pegou a outra da cama.

Elena estava de calcinha, abraçando os braços sobre a barriga. Rais notou; ele pegou seu vestido de hospital e estendeu a mão para ela. Cubra-se. Então suba na cama. Quando ela fez o que ele pediu, ele encontrou chaves no cinto de Luca e destrancou a outra algema. Então ele enrolou a corrente em torno de uma das grades de aço e algemou as mãos de Elena.

Ele colocou as chaves na extremidade da mesa de cabeceira, fora de seu alcance.

–Alguém virá e libertará você depois que eu for embora, disse a ela. Mas primeiro tenho perguntas. Eu preciso que você seja honesta, porque se você não for, eu voltarei e te matarei. Entendeu?

Ela assentiu freneticamente, as lágrimas rolando sobre suas bochechas.

—Quantos outros enfermeiros estão nesta unidade hoje à noite?

–P-por favor, não os machuque, ela gaguejou.

–Elena. Quantos outros enfermeiros estão nesta unidade hoje à noite? Repetiu ele.

—D-dois… Ela fungou. Thomas e Mia. Mas Tom está no intervalo. Estaria lá embaixo.

–Ok. O crachá preso ao peito era do tamanho de um cartão de crédito. Tinha uma pequena foto de Elena, e no verso, uma faixa preta.

–Esta unidade fica trancada à noite? Seu distintivo é a chave?

Ela assentiu e fungou novamente.

—Bom. Ele enfiou a segunda arma no cós da calça e se ajoelhou ao lado do corpo de Elias. Então tirou os dois sapatos e mexeu os pés neles. Estavam um pouco apertados, mas eram bons o suficiente para fugir.

–Uma última pergunta. Você sabe o que Francis dirige? O guarda noturno? Ele gesticulou para o homem morto com o uniforme branco.

–Eu não tenho certeza. Um… um caminhão, eu acho.

Rais procurou nos bolsos de Francis e saiu com um molho de chaves. Havia uma chave eletrônica; isso ajudaria a localizar o veículo.

–Obrigado por sua honestidade, disse a ela. Então ele rasgou uma tira da borda do lençol e enfiou na boca dela.

O corredor estava vazio e bem iluminado. Rais segurou a Sig pelo cabo, mas manteve-a escondida atrás das costas enquanto se arrastava pelo corredor. O lugar abria-se para um andar mais amplo com uma estação de enfermeiros em forma de U e, além disso, havia a saída da unidade. Uma mulher de óculos redondos, com um cabelo escuro que parecia cacheado artificialmente estava atrás de um computador, de costas para ele.

—Vire-se, por favor, disse a ela.

A mulher assustada virou-se para encontrar seu paciente/prisioneiro em uniforme, com um braço ensanguentado, apontando uma arma para ela. Ela perdeu o fôlego e seus olhos se arregalaram.

—Você deve ser Mia, disse Rais. A mulher provavelmente tinha cerca de quarenta anos, matrona, com olheiras sob os olhos arregalados.

–Mãos ao alto.

Ela o obedeceu.

–O que aconteceu com Francis? Ela perguntou baixinho.

—Francis está morto, disse Rais desapaixonadamente. Se você quiser se juntar a ele, faça algo errado. Se você quer viver, ouça atentamente. Eu vou sair por aquela porta. Uma vez que se feche atrás de mim, você vai contar lentamente até trinta. Então vai para o meu quarto. Elena está viva, mas precisa da sua ajuda. Depois disso, você pode fazer tudo o que treinou fazer em uma situação como essa. Você entendeu?

A enfermeira assentiu com firmeza uma vez.

–Eu tenho a sua palavra que seguirá essas instruções? Prefiro não matar mulheres quando possível.

Ela assentiu novamente, mais devagar.

–Bom. Ele circulou em torno da estação, puxando o crachá, e passou-o através do terminal à direita da porta. Uma pequena luz mudou do vermelho para o verde e a fechadura clicou. Rais abriu a porta, lançou mais um olhar para Mia, que não se moveu, e depois observou a porta se fechar atrás dele.

E então, correu.

Correu pelo corredor, colocando a Sig em suas calças enquanto ele fazia isso. Desceu as escadas para o primeiro andar, dois degraus por vez, abriu uma porta lateral e entrou na noite suíça. O ar frio tomou conta dele como um banho, e parou um momento para respirar livremente.

Suas pernas tremeram e ameaçaram falhar de novo. A adrenalina de sua fuga estava desaparecendo rapidamente e seus músculos ainda estavam bastante fracos. Ele puxou o chaveiro de Francis do bolso e apertou o botão vermelho de alerta. O alarme em uma SUV guinchou, os faróis piscaram. Ele rapidamente o desligou e correu para lá.