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Ubirajara: Lenda Tupi

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Açuladas pela fome de tantos dias, as formigas vorazes se prepararam para dilacerar a primeira vitima que lhes caísse nas garras.

A dentada da saúva, que anda solta no campo, dóe como uma braza; quando são muitas e com fome, queimam como a fogueira.

Todas as vistas se fitaram no semblante do guerreiro, para espreitar-lhe o minimo gesto de sofrimento.

Mas Jurandir sorria; e seus labios ternos soltaram o canto do amor. De propozito o guerreiro adoçou a voz, para não parecer que disfarçava o gemido com o rumor do grito guerreiro.

Assim cantou elle:

«A dôr é que fortalece o varão, assim como o fogo é que enrija o tronco da crauba, da qual o guerreiro fabríca o arco e o tacape.

«A jussara tem setas agudas: mas Arací, quando atravessa a floresta, colhe o côco de mel, embora a palmeira lhe espinhe a mão.

«O ferrão da saúva dóe mais do que o espinho da jussara; mas Jurandir acha o mel dos labios de Arací mais doce do que o côco da palmeira.

«Quando Jurandir era joven caçador, gostava de tirar a cotia da toca, embora o seu dente agudo lhe sarjasse a carne.

«O ferrão da saúva não dóe como o dente afiado; e Jurandir sabe que o pelo dourado da cotia, não é tão macio como o colo de Arací.

«Jurandir despreza a dôr. Seus olhos estão bebendo o sorrizo da virjem, mais suave que o leite do sapotí. Sua mão está sentindo o roçar dos cabelos da virjem formoza.»

Os anciãos deram sinal para concluir a prova da constancia; mas o guerreiro continuou seu canto de amor.

«A cumarí arde no labio do guerreiro; mas torna mais gostoza a carne do veado assada no moquem.

«O cauim queima a boca do guerreiro; mas derrama a alegria dentro da alma.

«A saúva arde como a cumarí e queima como o cauim; porém torna os beijos de Arací mais saborozos: e o amor de Jurandir espuma como o vinho generozo.

«Arací ha de sorrir de felicidade, quando o filho de seu guerreiro lhe rasgar o seio.

«Jurandir não tem corpo para sofrer, quando o sorrizo de Arací lhe enche a alma de amor.»

Foi precizo quebrar o camucim para que o guerreiro podesse retirar a mão, de inflamada que ficára.

O grande pajé esfregou na pele vermelha, o suco de uma herva delle conhecida; e logo dezapareceu a inchação.

Faltava a ultima prova, chamada a prova da virjem.

As outras serviam para conhecer o valor, a destreza e robustez do guerreiro, assim como a força de seu amor.

Nesta era que a virjem podia mostrar seu agrado pelo vencedor ou livrar-se de um espozo, que não soubera ganhar-lhe o afeto.

Os cantores disseram:

«Tupan deu azas á nambú para que ella escape ás garras do carcará.

«Tupan deu lijeireza á virjem, para que ella fuja do guerreiro que não quer por espozo.

«Mas a nambú, quando ouve o canto do companheiro, espera que elle chegue para fabricar seu ninho.

«A virjem, quando a segue o guerreiro que ella prefere, pensa na cabana do espozo, e corre de vagar para chegar depressa.»

Arací deixou a mãi, e avançou até o meio do campo.

O grande pajé colocou Jurandir na distancia de uma mussurana, que cinje dez vezes a cintura do guerreiro.

Estrela do dia lançou para as espaduas as longas tranças negras que voaram ao sopro da briza.

Arqueou os braços mimozos, vestidos com franjas de penas, como as azas brilhantes do arirama; e quando soou o sinal, desferiu a corrida.

Jurandir seguiu-a. Elle conhecia a velocidade do pé gentil de Arací, que zombava do salto do jaguar.

Nem que podesse alcançal-a, o guerreiro o tentaria; depois de vencedor, queria dever a espoza ao amor della e não a seu esforço.

Disputaria Arací não só a todos os guerreiros das nações, como a todas as nações das florestas; só á vontade da propria virjem não a disputaria, pois a queria rendida, e não vencida.

Mas sua gloria mandava que elle, o chefe de uma grande nação, se mostrasse digno da formoza virjem, que o aceitasse por espozo.

Arací voava pela campina. Ás vezes trançava a corrida como o colibri que adeja de flôr em flôr, outras vezes fujia mais rapida do que a seta emplumada de seu arco.

Quando mostrou a todos que Jurandir não a alcançaria nunca, se ella quizesse fujir-lhe, reclinou a cabeça para esconder o rubor.

Jurandir abriu os braços e recebeu a espoza que se entregava a seu amor.

O guerreiro suspendeu a virjem formoza ao colo; e levou-a á cabana do amor que elle construira á marjem do rio.

As ramas de jasmineiro e do craviri vestiam a cabana, e matizavam o chão de flôres.

Arací foi buscar a rêde nupcial, que ella tecera de penas de tucano e arara; e Jurandir conduziu os utensilios da cabana.

Então o estranjeiro sentou-se com a virjem no terreiro, e antes de passar a soleira da porta, revelou a Arací quem era o guerreiro que ella aceitára por espozo.

– Arací pertence ao grande chefe da nação araguaia. Ella teve a gloria de vencer ao maior guerreiro das florestas. Ella será mãi dos filhos de Ubirajara; e terá por servas as virjens mais belas, filhas dos chefes poderozos.

«A palmeira é formoza quando se cobre de flôres e o vento ajita as suas folhas verdes, que murmuram; mais formoza, porém, é quando as flôres se mudam em frutos, e ella se enfeita com seus cachos vermelhos.

«Arací tambem ficará mais formoza quando de seu sorrizo saírem os frutos do amor, e quando o leite encher seus peitos mimozos, para que ella suspenda ao colo os filhos de Ubirajara.»

Arací ouviu as palavras do guerreiro, palpitante como a corça; e ornou a fronte do espozo com o cocar de plumas vermelhas, que tecera em segredo.

Depois, sentindo os olhos de Ubirajara que bebiam a sua formozura, ella vestiu o aimará mais alvo do que a pena da garça.

A tunica de algodão entretecida de penas de beija-flôr dece das espaduas até á curva da perna, cinjida pela liga da virjindade.

Quando Arací passava entre os guerreiros que admiravam sua beleza, ella não córava, porque sua castidade a vestia, como a flôr á sapucaia.

Mas agora em prezença do guerreiro a quem ama e para quem guardou a sua virjindade, tem pejo, e esconde sua formozura ás vistas de Ubirajara.

– Os olhos do espozo são como o sol, disse o guerreiro: elles queimam a flôr do corpo de Arací.

– Arací tem medo que os olhos do espozo não a achem digna de seu amor; e vestiu seus enfeites.

«Arací queria ser como a jurití, e ter no corpo uma penugem macia, que só a deixasse ver em sua formozura.

«Foi por isso que tua espoza se cobriu com o seu aimará. Os olhos de Ubirajara não lhe queimarão mais a flôr de seu corpo.

O guerreiro respondeu:

– A flôr do igapê é mais formoza quando abre e se tinje de vermelho aos beijos do sol, do que fechada em botão e coberta de folhas verdes.

Ubirajara tomou nos braços a espoza, e pôz o pé na soleira da porta.

Nesse momento soou um clamor; chegaram os guerreiros que vinham chamar o vencedor á prezença de Itaquê.

O carbeto dos anciãos tinha decidido que o vencedor antes de receber a espoza, devia declarar quem era; pois fôra recebido como estranjeiro, e ninguem na taba o conhecia.

VII
A GUERRA

Itaquê esperava sentado na cabana, e cercado do carbeto dos anciãos.

Jurandir entrou; Arací ficou na porta, orgulhoza do espozo que a conquistára e da admiração que elle ia inspirar aos guerreiros da sua nação.

Itaquê falou:

– Quando o estranjeiro chegou á cabana de Itaquê, ninguem lhe perguntou quem era e donde vinha. O hospede é senhor.

«Mas agora o estranjeiro saiu vencedor do combate do cazamento e conquistou uma espoza na taba dos tocantins.

«É precizo que elle se faça conhecer; porque a filha de Itaquê, o pai da nação dos tocantins, jámais entrará como espoza na taba onde habite quem tenha ofendido a um só de seus guerreiros.»

O estranjeiro disse:

– Morubixaba, abarés, moacaras e guerreiros da valente nação tocantim, vós tendes prezente o chefe dos chefes da grande nação araguaia.

«Eu sou Ubirajara, o senhor da lança; e o maior guerreiro depois do grande Camacan, cujo sangue me gerou. Se quereis saber porque tomei este nome, ouvi a minha maranduba de guerra.»

Ubirajara contou o seu encontro com Pojucan; o combate em que o venceu, e a festa do triunfo, até o momento em que deixou a taba dos araguaias.

Terminou dizendo que no seguinte sol partiria, para assistir ao combate da morte, como prometera ao prizioneiro.

Ninguem interrompeu a maranduba de guerra. Ubirajara ouviu um gemido; mas não soube que rompera do seio de Arací.

Itaquê arquejou como o rio ao pezo da borrasca.

– Tu és Ubirajara, senhor da lança. Eu sou Itaquê, pai de Pojucan. Tenho em face o matador de meu filho; mas elle é meu hospede!

«Chefe dos araguaias, tu és um joven guerreiro; pergunta a Camacan que te gerou, qual deve ser a dôr do pai, que não póde vingar a morte do filho.»

O grande chefe vergou a cabeça ao peito, como o cedro altaneiro batido pelo tufão.

Pojucan tinha sua taba mais lonje, na outra marjem do rio. Elle partira na ultima lua para rastejar a marcha dos tapuias; e voltava senhor do caminho da guerra quando encontrou Ubirajara.

Seu pai e os guerreiros de sua taba pensavam que elle buscava na floresta o caminho da guerra. Mal sabiam que a essa hora esperava prizioneiro na taba dos araguaias o combate da morte.

Anciãos e guerreiros emudeceram. Todos respeitavam a dôr do pai, e não ouzavam perturbal-a.

Jacamim, a mãi de Pojucan, aproximára-se. O grande chefe ouviu seu gemido.

– A espoza de Itaquê não chora na prezença do matador de seu filho.

Á voz do espozo, a mãi teve força para esconder no seio sua tristeza, e mostrar-se digna do grande chefe dos tocantins.

Ubirajara falou:

– A vingança é a gloria do guerreiro; Tupan a deu aos valentes. Ubirajara venceu Pojucan em combate leal, e aceita o dezafio de Itaquê e de todos os chefes tocantins.

 

– Tu és meu hospede; emquanto Itaquê brandir o grande arco da nação tocantim, ninguem ofenderá o amigo de Tupan na taba de seus guerreiros.

Dizendo assim, o grande chefe ergueu-se e trocou com o estranjeiro a fumaça da despedida.

– Parte. O sol que viu o estranjeiro na cabana hospedeira o acompanhará amigo; mas com a sombra da noite, mil guerreiros, mais velozes que o nandú, partirão para levar-te a morte.

Ubirajara tomou suas armas e disse:

– O hospede vai deixar tua cabana, chefe dos tocantins; tu verás chegar o guerreiro inimigo.

Itaquê seguiu o estranjeiro até o terreiro; em torno delle se reuniram os abarés, os moacaras e os guerreiros para assistirem á partida.

Ubirajara caminhou com o passo lento e grave até o fim da taba.

Chegado ali, tornou rapido á entrada da cabana, e retrocedeu apagando no chão o vestijio de seus passos.

A nação tocantim o observava imovel.

Por fim o estranjeiro postou-se no centro da ocara e com o formidavel tacape vibrou no largo escudo um golpe que repercutiu pela taba como o estrondo da montanha.

– O hospede passou o lumiar da cabana que o tinha acolhido, e apagou seu rasto na taba dos tocantins.

«Quem está aqui é um guerreiro armado, que piza senhor a taba de seus inimigos.

«Itaquê, morubixaba dos tocantins, Ubirajara, o senhor da lança, grande chefe dos araguaias, te envia a guerra na ponta de sua seta.»

Quando o guerreiro acabou de proferir estas palavras, Itaquê levantou os olhos e viu cravada na figura do tucano, que era o simbolo da nação, a seta de Ubirajara.

Mil arcos se ergueram, mil tacapes brandiram. A voz possante de Itaquê abateu as armas de seus guerreiros.

Disse o morubixaba:

– A lei de hospitalidade é sagrada. A cólera do estranjeiro não deve perturbar a serenidade do varão tocantim.

Depois voltou-se para o inimigo:

– Ubirajara, grande chefe dos araguaias: Itaquê, o pai da poderoza nação tocantim aceita a guerra que tu lhe enviaste. Recebe em teu escudo o penhor do combate.

A corda do grande arco da nação tocantim brandiu, e a seta de Itaquê mordeu o escudo de Ubirajara.

– Vai buscar teus guerreiros e nós combateremos á frente das nações.

– Ubirajara combaterá até que lhe restituas a espoza; assim como elle a conquistou a seus rivais, saberá conquistal-a a ti e á tua nação.

O chefe araguaia partiu. No seio da floresta encontrou Arací que o esperava.

A formoza virjem fôra á cabana do cazamento buscar a rêde nupcial e preparar-se para acompanhar o espozo.

– Ubirajara parte; mas antes de cinco sóes elle estará aqui para te conquistar á tua nação.

– A espoza te acompanha. Teu braço valente já a conquistou; e ella entregou-se a seu senhor. Arací te pertence; deves leval-a.

A virjem tocantim dezejava seguir Ubirajara á taba dos araguaias. Falava em sua alma a ternura da espoza e da irmã.

Partindo, ella unia-se para sempre a seu guerreiro, e esperava que o amor o moveria a salvar Pojucan.

Ubirajara pensou e disse:

– Se Ubirajara tivesse rompido a liga de Arací, ella era sua espoza, e ninguem a arrebataria de seus braços. Mas a virjem tocantim não póde abandonar a cabana onde naceu sem a vontade de seu pai.

Arací suspirou:

– Ubirajara vai deixar a lembrança de Arací nos campos dos tocantins. Jandira o espera na taba dos araguaias, e lhe guarda o seu sorrizo de mel.

– A luz de teus olhos, Arací, estrela do dia, foi buscar Ubirajara na taba dos seus, onde resoavam os cantos de seu triunfo, e o trouxe á tua cabana.

«Quando elle partiu encontrou Jandira, e para que a filha de Majé não o acompanhasse a deu a Pojucan, como espoza do tumulo.»

– O goaná do lago vôa lonje, para banhar-se nas aguas da chuva que alagaram a varzea; mas logo volta ao seu ninho, e não se lembra mais da moita onde dormiu.

– Ubirajara é um guerreiro; elle não aprende com o goaná do lago, que foje do perigo, mas com o gavião, grande chefe dos guerreiros do ar, que nunca mais abandona o rochedo onde assentou a sua oca.

– Se Ubirajara amasse a espoza, tambem não a abandonaria. Os braços de Arací já cinjiram o colo de seu guerreiro. O tronco não desprende de si a baunilha que se entrelaçou em seus galhos.

Ubirajara calcou a mão sobre a cabeça de Arací:

– Itaquê respeitou a lei de hospitalidade no corpo de Ubirajara, Ubirajara não deixará a traição na terra hospedeira.

«Arací não deve querer para espozo um guerreiro menos generozo do que seu pai.»

A virjem emudeceu. Ella sabia que a honra é a primeira lei do guerreiro.

Antes de partir, o chefe consolou a espoza:

– Ubirajara vai pedir ao gavião suas azas para voltar ao seio de Arací. Elle virá á frente de sua nação, conduzido pela luz de teus olhos.

«As outras mulheres são o premio de um combate entre os servos de seu amor. Arací terá essa gloria, que ella será o premio da maior guerra que já viram as florestas.»

O chefe araguaia pôz as mãos nos hombros de Arací; duas vezes uniu o seu ao rosto della, por uma e outra face, para exprimir que nada os podia separar.

Quando o guerreiro dezapareceu na floresta, Arací caminhou para a cabana do espozo, que ficára triste e solitaria.

A virjem fechou a porta; sentou-se na soleira, e cantou sua tristeza.

Dois sóes tinham passado, e viera a noite.

A ultima estrela se apagava no céu, quando Ubirajara pizou os campos dos araguaias.

Sua mão robusta, vibrando a clava, feriu o trocano. A voz da nação araguaia derramou-se ao lonje pelo vale, como o estrondo da montanha que arrebenta.

Com o primeiro raio do sol que subia o pincaro da serra, chegaram á grande taba os chefes das cem tabas araguaias, com todos seus guerreiros, convocados á ocara da nação.

Ubirajara mandou que Pojucan, o prizioneiro, viesse á sua prezença:

– Vê o mar dos meus guerreiros que enche a terra, como as aguas do grande rio quando alaga a varzea. Elles esperam o aceno de Ubirajara para inundarem teus campos.

«A nação tocantim carece neste momento do braço de seus maiores guerreiros; vai levar-lhe o socorro de teu valor, para que se aumente a gloria de Ubirajara, seu vencedor.

«Tu és livre, Pojucan; parte e vôa, que a guerra dos araguaias te segue os passos.»

O semblante do filho de Itaquê ficou sombrio:

– Pojucan é um chefe ilustre; não merece esta dezhonra. Tu lhe prometeste a morte dos bravos. Elle exije o combate.

O chefe araguaia contou a maranduba da hospitalidade:

– Ubirajara não sabia que Pojucan era filho de Itaquê; pois elle nunca pizaria como hospede a cabana de um guerreiro, a quem tivesse decepado um filho. É precizo que recuperes a liberdade para que não se diga que Ubirajara surpreendeu a hospitalidade do grande chefe dos tocantins.

Pojucan não respondeu. Elle reconhecera que a honra de seu vencedor exijia sua volta á taba dos seus.

– Parte. Nós combateremos á frente das nações. Ubirajara pertence a Itaquê; mas depois delle terás a gloria de ser vencido outra vez por este braço.

– Ubirajara é um grande chefe e maior guerreiro. Se Tupan não consente que Pojucan seja vencedor, elle não quer maior gloria do que a de morrer combatendo Ubirajara.

Pojucan foi á cabana de seu vencedor buscar as armas. Ubirajara arrimou-se ao tacape, como o rochedo que se apoia ao tronco do ipê, e meditou.

Quando passou o chefe tocantim que voltava á sua taba, Ubirajara levantou a cabeça e disse:

– Os olhos de Ubirajara te acompanham; tu és irmão de Arací, e vais para junto della. Dize á estrela do dia, que seu espozo está com ella.

O conselho dos abarés se reunira para meditar sobre a guerra. O velho Majé, a quem irritava o dezaparecimento da filha, reparou que sem o voto do carbeto se convocasse a nação.

Veiu um mensajeiro chamar o grande chefe para o carbeto. Ubirajara chegou. Antes que falasse a voz dos anciãos, o guerreiro levantou o arco e disse:

– O conselho dos anciãos governa a taba, e medita nella coizas da paz. Toda a nação respeita sua prudencia e sabedoria.

«Mas emquanto Ubirajara brandir o grande arco dos araguaias, tem a guerra fechada em sua mão.

«Quando elle soltar o grito de combate, a voz que falar da paz emudecerá para sempre, ainda que venha da cabeça do abaré que a lua já embranqueceu.

«Quem não quizer assim, venha arrancar da mão de Ubirajara este arco que elle conquistou por seu valor.»

Os abarés estremeceram. Mas o carbeto meditou, e decidiu que a maior gloria e sabedoria da nação era ter o seu grande arco de guerra na mão de um chefe como Ubirajara.

Camacan tratou com os anciãos ácerca da defeza das tabas; e o grande chefe abriu o caminho da guerra.

Quando Ubirajara desdobrou sua guerra pela marjem do grande rio, elle viu que uma nação tapuia se preparava para assaltar a taba dos tocantins.

O grande chefe tocou a inubia, cuja voz chamava o joven Murinhem, primeiro dos cantores araguaias.

Correu o nhengaçára á prezença do grande chefe, e delle recebeu a mensajem que devia levar ao campo inimigo.

Os cantores eram respeitados por todas as nações das florestas, como os filhos da alegria; pelo que serviam de mensajeiros entre as nações em guerra.

Elles penetravam no campo inimigo, entoando o seu canto de paz; e nenhum guerreiro ouzava ofender aquelle a quem Tupan concedera a fonte da alegria.

Murinhem atravessou rapido a campina e aprezentou-se em frente de Canicran, chefe dos tapuias.

– Ubirajara, o senhor da lança, que empunha o arco da poderoza nação araguaia, te manda, a ti quem quer que sejas, e a todos quantos te obedecem, a sua vontade.

O tapuia rujiu; mas seus olhos viam o mar dos guerreiros araguaias que o cercava, e na frente o grande vulto de Ubirajara, semelhante ao rochedo sombrio e imovel no meio dos borbotões da cachoeira.

Os guerreiros de Canicran só conhecem a vontade do seu chefe; e Canicran afronta a cólera de Tupan e das nações que elle gerou. Dize, mensajeiro, o que pede Ubirajara, ao grande chefe dos tapuias.

– Ubirajara te manda que encostes o tacape da guerra. A nação tocantim aceitou a sua flecha de dezafio, e elle não consente que ninguem combata seu inimigo, antes de o ter vencido.

– Torna e dize ao grande chefe araguaia, que Canicran veiu trazido pela vingança. Pojucan, um dos chefes tocantins penetrou em sua taba e incendiou a cabana do pajé, que foi devorado pelas chamas.

«Ubirajara é um grande chefe araguaia; elle que diga se o pai da nação póde sofrer tão dura afronta. Canicran escuta a voz de sua amizade.»

O chefe tapuia tomou uma de suas flechas; arrancou o farpão e deu ao mensajeiro a haste emplumada com azas negras do anun, que era o emblema guerreiro de sua nação.

– Toma; entrega ao grande chefe araguaia o penhor da aliança.

Murinhem partiu e foi á taba dos tocantins levar igual mensajem. Itaquê escutou o que lhe mandava Ubirajara e respondeu:

– Antes que Itaquê trocasse com Ubirajara a seta do dezafio, Pojucan tinha levado a guerra á taba dos tapuias.

«Canicran veiu trazido pela vingança; e a nação tocantim não póde recuzar o combate. Mas Itaquê sabe honrar seu nome; se Ubirajara quer, elle combaterá juntamente os dois inimigos.»

O mensajeiro tornou ao campo dos araguaias com as respostas dos dois chefes. Ubirajara ouviu e meditou.

– Escuta a vontade de Ubirajara para leval-a aos inimigos. O grande chefe araguaia não roubará a Canicran a gloria da vingança; elle respeita a honra da nação tapuia, mas rejeita sua aliança. Restitue o penhor que recebeste.

«Itaquê póde aceitar o combate que Pojucan foi buscar; Ubirajara não ofende o nome de um guerreiro, ainda mais de um morubixaba, e do pai de Arací.

«O chefe dos araguaias não carece de auxilio para triunfar de seus inimigos: dezeja que a nação tocantim derrote aos tapuias, para ter elle a gloria de vencer ao vencedor.

«Se Itaquê não póde repelir os tapuias, Ubirajara toma a si castigar os barbaros; e depois de varrel-os das florestas, combaterão as duas nações.

«Se os tocantins necessitam de aliados para rezistir ao ímpeto dos araguaias, Ubirajara espera que Itaquê os chame e que elles venham.

«Murinhem falará assim a um e outro chefe; a ambos dirá que a cabana onde estiver Arací fica sob a guarda de Ubirajara; quem nella penetrar como inimigo, sofrerá a morte vil do cobarde.»

O guerreiro deixou a voz do chefe e falou com a voz de espozo:

– A Arací levarás o canto de amor de Ubirajara. Tu lhe dirás que arme a rêde nupcial, e não deixe nossa cabana, emquanto Ubirajara não a fôr buscar.

 

«Conta-lhe tambem que o canitar que ella teceu, ainda não deixou a cabeça de seu guerreiro e ha de acompanhal-o sempre.»