Vida De Aeromoça

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Gostaria de ser aeromoça

 Chega, estou farta! Mario estava insuportável, chega a me seguir até quando vou tomar um café com as amigas. Não quer que eu vá para a aula e me proíbe até de cumprimentar meu ex. Quero pensar mais em mim mesma e me tornar independente. Por que não criamos algo nosso e abrimos um negócio juntas? O que você pensa para o futuro, Anna? O que você gostaria de fazer?

Foi isso que me disse Stefania em nosso habitual encontro matutino para um café no “Bar das Finanças” em frente a minha casa, infeliz com sua perspectiva de futura dona de casa, tão desejada por seu noivo ciumentíssimo.

Nunca me tinha feito seriamente essa pergunta, nem tinha feito planos de carreira.

Depois de sair da escola e me inscrever na faculdade de direito, já que as matérias científicas não eram para mim, procurei um trabalho como secretária para me manter estudando e tentar satisfazer alguns pequenos caprichos.

Na época, acordava todos os dias à mesma hora e, depois de um rápido café da manhã, me metia no trânsito caótico, enfrentando os 45 minutos de filas intermináveis nos semáforos e os barulhentos engarrafamentos nas rótulas, tentando poupar alguns minutos para chegar a tempo no escritório.

Todo dia, na rua Barriera del Bosco, onde sempre ficava presa em um ponto especial de engarrafamento por pelo menos 15 minutos, eu encontrava com frequência um homem: um barbudo sempre sentado em um montinho de terra que ele fazia com as mãos.

Agachado sob a sombra de uma árvore, observava aquele interminável vai e vem, igual todos os dias.

O olhar daquele indivíduo tinha algo de sereno e vislumbrava uma realidade distante da sua: todos aqueles homens, mulheres e crianças que passavam por ele, aprisionados em seus carros.

Ele era bastante discreto, como se não quisesse que percebessem sua presença a observar atentamente, admirado de encontrar sempre as mesmas caras nervosas e exaustas, os mesmos carros enfileirados um atrás do outro, e todo aquele buzinaço que soava como um protesto. Acho que pensava como seria difícil para todos aqueles homens encontrarem a tranquilidade que ele parecia ter atingido.

Suas pupilas se moviam atentas e direcionavam olhares quase benevolentes e indulgentes a todos aqueles motoristas que, a sua volta, olhavam com compaixão ou desprezo para ele e seus trapos jogados ao relento, muitas vezes úmido.

Todas as manhãs, eu me perguntava quem de nós dois era o doido, eu, a motorista nervosa, ou ele.

Eu pensava todas as noites sobre a pergunta que Stefania me fez sobre meu futuro.

A resposta chegou num fim da tarde, na hora de voltar do trabalho, dentro do meu carrinho, depois de ter evitado uma colisão frontal com um idiota que cortou minha frente, ao fim de uma jornada de trabalho interminável, tendo de lidar com um chefe briguento e dado a abusos, com colegas que eu preferiria não ter conhecido, falsos e interesseiros.

No fim do expediente, saí da vaga que achei a duras penas pela manhã, que só consegui depois de ter brigado com outro mal-educado convencido de ter visto o espaço antes de mim, tentando me fazer desistir dela obstruindo meu ingresso.

Naquela tarde, percebi um pequeno arranhão na lataria e limpador de para-brisas posterior desencaixado.

Todo dia, chegando em casa cansada, organizava a casa e preparava a janta com pressa, por causa daquela “fome famélica” que eu conseguia apaziguar pegando algum resto do dia anterior da geladeira e pedaços de queijo amarelados, porque mal colocados nas embalagens de plástico entreabertas.

 QUERO VOAR! - Gritei de repente - Sim! Encontrei! Quero voar!

O que mais me seduzia era a possibilidade de evitar a rotina diária, o tráfego da cidade, ver sempre os mesmos rostos nos mesmos lugares. Gostaria de me relacionar sempre com pessoas diferentes, mudar de espaços, expandir meus pontos de vista, ter a possibilidade de perambular pelo mundo e me deliciar com a culinária internacional.

Pensei isso mastigando uma bolacha de água e sal e a última azeitona no pote.

O sonho era voar, gostaria de ser aeromoça.

Então liguei para Stefania.

Stefania ficou entusiasmada com a ideia e me disse que também gostaria. Sua única preocupação era o noivo.

Um tempo depois, com os olhos brilhando e a página arrancada de uma revista, nos encontramos para ler com atenção e entusiasmo estas indicações:

Como se tornar comissário de bordo

“O comissário de bordo é sinônimo de confiança e compromisso, estilo e cordialidade; grande capacidade de organização, tenacidade, resistência ao cansaço e, sobretudo, vontade de trabalhar para os outros, entrando em contato com culturas e países diversos, dotes necessários para lidar melhor com o trabalho.

Nas seleções, busca-se praticidade, capacidade de se antecipar a e resolver problemas, capacidade de se relacionar, responsabilidade, autocontrole, estabilidade emocional, mente aberta e tolerância com o novo.

Características:

Idade entre 18 e 32 anos

Estatura mínima: 164 centímetros para mulheres, 172 centímetros para homens

Escolaridade: nível médio completo

Línguas: italiano e inglês avançado, conhecimento de uma terceira língua preferível

Boas habilidades atléticas e de natação

Sem tatuagens visíveis”.

Tudo estava de acordo com nossas características e aspirações. Podíamos tentar, podíamos conseguir.

 Vamos mandar nosso currículo para a companhia aérea o quanto antes – eu disse.

Dito e feito.

Stefania preencheu os formulários, apesar das ameaças veladas do namorado, e enviamos tudo juntas, anexando também fotos tiradas com diligência e atenção.

Eu não disse nada a meus pais, pois estava certa de que eles não aprovariam nem apoiariam minha ideia.

 Vai, tira, tira a foto agora!

Escolhemos nossas roupas com cuidado: o look é importante nessas situações, e a roupa formal é a ideal.

 Fecha a camisa, por favor.

 Não, vira o rosto um pouco para a direita e segura os braços um pouco dobrados, com as mãos nas costas.

Depois de tirar os jeans rasgados, a blusinha vintage do mercadinho de quinta-feira e os tênis rosa-shock de algodão, pus um tailleur azul horrível que usei no casamento da Ágata, uma prima distante, e esqueci no armário por anos; uma camisa branca, meias-calças cor de pele e sapatos de salto alto combinando com a jaqueta completavam o outfit.

Prendemos o cabelo com elásticos pretos e muito laquê, um pouco de maquiagem, um deslumbrante sorriso falso e fomos:

 Vou bater a foto.

 Perfeitas!

Depois de mais ou menos um mês, recebemos as cartas com o convite para participar das primeiras seleções.

Minhas pernas tremiam enquanto eu abria o envelope; Stefania quase desmaiou.

Aproveitamos para participar de um curso rápido para relembrar o inglês meio enferrujado.

Fui determinada a convencer minha família pelo menos a participar da seleção: minha obstinação venceu. Não conseguiram me impedir de ir e esperaram, como o noivo de Stefania, que eu não passasse nas provas.

Pegamos um avião para chegar a Roma, a cidade de nosso importante encontro.

Stefania precisava comprar uma roupa adequada para a ocasião. Escolheu um tailleur preto, apertadinho mas um pouco rígido, pois seus movimentos ficavam pouco naturais e desconfortáveis nele. Eu arrumei o meu para que ficasse mais sóbrio.

No avião, não era a primeira vez que olhávamos com devota admiração aquelas mulheres uniformizadas que andavam pela cabine com muita desenvoltura e profissionalismo, mas, daquela vez, senti um pouco de inveja.

Logo depois da decolagem, olhei pela janelinha.

Vi encolherem os mesmos carros que via enfileirados todas as manhãs enquanto ia ao trabalho e apertei forte a mão de Stefania.

Passamos sem muito esforço em todos os testes da seleção, que durou diversos dias. Estávamos movidas por uma energia, determinação e entusiasmo inimagináveis, pondo de lado nossa timidez e mostrando até a nós mesmas uma desconhecida propensão à liderança.

A prova com o psicólogo foi, para Stefy, a mais difícil.

Eu fui a primeira a entrar em uma sala iluminada onde encontrei um homem encarregado do último exame antes da minuciosa inspeção médica final.

Esse exame foi, para mim, um papo agradável e relaxante, mas percebi que o homem tentava me deixar constrangida enquanto eu tentava não ceder.

Eu estava feliz.

Inesperadamente e depois de uma breve conversa inicial de apresentação, ele alegou não acreditar que eu fosse aquela pessoa positiva, correta e sociável que eu descrevia. Respondi que sentia muito, mas aquilo não me preocupava, pois sua avaliação talvez resultasse de nossa conversa amigável.

Fui convidada a participar da prova seguinte.

Saindo, pisquei para Stefy.

 Não há nada com que se preocupar. Vai tranquila – eu disse.

Stefania entrou logo depois.

Poucos minutos depois, vi-a sair muito séria.

 Vai se ferrar, quem aquele mal educado pensa que é?

 Stefania, o que aconteceu?

 Não sei quem é ele, mas com certeza não quero nunca mais encontrar com um cara como aquele. Ele disse que meu cabelo é bagunçado e minhas roupas inadequadas.

 

 Cabelo bagunçado? Roupa inadequada?

 Que mal educado!

 Como ele ousa?

 Fez umas perguntas inoportunas, muito íntimas, e eu respondi que não eram da conta dele. Depois, me disse: “mas quem você pensa que é?” Naquele ponto, eu já estava bufando de ódio e respondi que ele deveria cuidar o que dizia. Depois, bati a porta na cara dele!

Era nossa teste de tolerância ao estresse. Em um trabalho que envolve contato contínuo com o público, essa é uma habilidade necessária.

Nem preciso dizer que Stefania não foi convidada para a prova seguinte.

Voltou para casa chocada, perguntando onde tinha errado. Seu noivo foi o único que ficou feliz com o insucesso, e suas perguntas ficaram para sempre sem resposta.

Enquanto isso, eu comecei um curso que durou três meses, onde fui treinada para extinguir incêndios e como me comportar em caso de emergência.

Também estudei as questões técnicas de diversos tipos de avião e a composição da bagagem, alguns pontos de medicina para a habilitação em primeiros socorros e, depois de superar os exames de técnica, medicina e inglês, estava pronta para entrar em um avião na posição que tanto sonhei: a de aeromoça.

Durante o curso, conheci três garotas, e ficamos amigas: Eva, Valentina e Ludovica.

Dividimos o quarto de hotel durante todo o período e, depois que assumimos o cargo, decidimos alugar uma casa em uma região perto do aeroporto Fiumicino, nossa base.

Foi assim que começou nossa aventura.

Eu, Eva, Valentina, Ludovica

A casa tinha dois quartos, cada um com uma cama de casal, e o único banheiro estava sempre ocupado: difícil encontrá-lo livre, assim como o telefone de casa.

Tentamos nos adaptar àquela situação e conseguimos conviver, não sem alguns pequenos desentendimentos, tentando chegar a pequenos compromissos (o mais difícil era decidir quem lavaria os pratos sujos).

Eva tinha lindos cabelos ruivos, ondulados e sedosos que deslizavam pelas costas. Seus olhos castanhos claros pareciam verdes nos dias mais ensolarados, seu porte era ágil e esbelto. Vinha do "alto Bérgamo", como ela dizia, e tinha o espírito de "verdadeira napolitana", expansivo e caloroso. Amava a bagunça, sempre tinha uma máscara facial para experimentar e era frequente que perambulasse pela casa com a sua favorita, de argila verde. Usava óleo de amêndoas para deixar os cabelos mais sedosos.

Ludovica nunca parava de falar e não sabia fazer parar o palavrório que nos atingia assim que abrisse a boca.

Era loira com lindos cachos, olhos intensamente azuis e uma pele lisa e clara. Suas curvas eram fartas e harmônicas. Muito organizada e meticulosa (o oposto de Eva), usava tailleurs de marca e guardava seus suéteres individualmente em sacos plásticos transparentes. Cozinhava maravilhosamente.

Vinha da Sardenha e era noiva de um rapaz seu conterrâneo que vinha com frequência ficar conosco, às vezes obrigando sua companheira de quarto, Eva, a dormir no sofá.

Ludovica era doida por penteados.

Eu dividia um quarto com Valentina, que era uma moça cheia de vida e entusiasmo, muito sensível, honesta e generosa.

Seus cabelos eram escuros e lisos, com corte chanel. Os olhos eram pretos, muito profundos e sensuais, e o porte físico era enxuto e bem modelado.

Valentina gostava de dormir tarde, melhor se a noite fosse acompanhada de seu drink favorito: Montenegro com gelo. De manhã, demorava no banheiro porque as lentes de contato davam muito trabalho.

Éramos muito próximas.

 Hoje fomos convidadas para a festa de boas-vindas na casa daqueles pilotos que vivem na rua Masotta, perto de casa! – disse Eva.

 Por que não damos um pulo? – eu disse.

 Sim! – concordou Valentina.

 Estou curiosa para conhecer nossos vizinhos.

Ludovica foi logo montar um penteado, e eu provei quase todos os vestidos do armário, me perguntando se eu algum dia conseguiria fechar o zíper lateral daquelas lindas calças azuis. Eva usou seu novo óleo essencial de lírio-do-vale, e Valentina correu para se maquiar.

Alegres, demos os primeiros passos em direção àquele mundinho à parte, até então desconhecido: o reino dos "voláteis", diferente dos meros "passageiros", como costumam distinguir aqueles que trabalham nos aviões.

O que logo percebemos "neles" foi a familiaridade com lugares que nós só sonhávamos em visitar e a facilidade que tinham de alcançá-los graças ao hábito de viajar; a capacidade de se adaptar em qualquer lugar do mundo, devida ao conhecimento da população e dos territórios, da cultura e das tradições; a profusão de amizades que conseguiam manter em diversos lugares, pois os frequentavam constantemente; a mente aberta, necessária para estar em contato com o mundo e seus habitantes, assim como muitas manias e fixações que cada um carregava consigo naquela segunda casa que era a mala de viagem.

 Uma vez volátil, sempre volátil – disseram-nos baixinho, como se fosse uma verdade oculta, uma marca que carregaríamos para sempre.

Compreendemos que começar a "voar" seria como viver duas vidas paralelas que vão se alternando sempre que se sai para trabalhar. É como falar uma língua nova, incompreensível aos demais, onde o mundo é a sua casa, e a casa é o seu mundo.

Descobrimos que havia eventos quase todas as noites. Éramos uma espécie de grande família que se reunia entre os que retornavam de voos e descansavam entre um turno e outro. Mas, se era preciso partir no dia seguinte, nos prometíamos ir dormir cedo para evitar aquela horrível dor de cabeça e náusea matinais que, no voo, ficam muito piores por causa da altitude e do ar condicionado.

Durante o trabalho, era necessário estar impecável. Os voos e os passageiros a enfrentar seriam uma dura prova, isso sabíamos bem.

Depois de ter assinado o contrato com a empresa, na grande sala de um majestoso edifício e, com grande surpresa, designado o destinatário do seguro de vida em caso de falecimento, constatamos emocionadas que logo nós também seríamos voantes "voláteis"

O primeiro voo

O primeiro voo é inesquecível para todos.

Fui designada para um bate e volta em Paris. Eu estava emocionada, desajeitada ao entrar naquele avião completamente vazio, pronto para receber nossa bagagem antes dos passageiros. Finalmente, comecei a conhecer os segredos dos galleys, que são uma espécie de cozinha de bordo onde estão os fornos para esquentar as refeições, a geladeira para manter as bebidas frescas, todos os carrinhos com os mantimentos, a área destinada ao lixo, os equipamentos necessários para o bom funcionamento do voo. Nessa área, é preparado todo o serviço antes que ele comece. Para as aeromoças, é o lugar mais íntimo, o único lugar suficientemente reservado, que permite alguns poucos minutos de distância dos passageiros, graças a uma cortina que concede alguns preciosos momentos de privacidade nos voos muito longos: as confidências e revelações geralmente vêm à tona ali, no "baú de segredos" das aeromoças.

Verifiquei, além da bagagem, que tudo tinha sido limpo corretamente, que o serviço de catering tinha abastecido corretamente todos os carrinhos, os fornos e a geladeira, que os equipamentos e as luzes de emergência estavam em funcionamento.

Eu era o oposto de minhas colegas, tão desinibidas e seguras nos movimentos, já veteranas, como se diz.

No curso, tínhamos visto todos os alçapões, os carrinhos e as gavetas armazenados dentro do avião. Era uma infinidade, todos completamente cheios de materiais necessários para o bom andamento do voo.

Decidi abri-los todos para ver o que continham e memorizá-los para utilizá-los com mais rapidez.

Fechei-os e logo esqueci a posição e o conteúdo de todos, pois eram muitos, e todos idênticos quando vistos de fora.

Repeti isso várias vezes. Às vezes a sorte me ajudava a adivinhar onde estava o que eu procurava, às vezes me rendia na busca de copos de plástico depois de uma vitória parcial sobre os pacotes de café e leite em pó. Acho que os tapa-olhos mudavam de lugar a cada voo, como se fosse um truque de mágica: depois de encontrá-los em uma gaveta, via-os em algum outro lugar.

Eu olhava minha saia que cobria o joelho, a meia-calça lisa e cor de pele que, até então, nunca tinha usado, os sapatos de salto alto, que combinavam com a bolsa, uma blusa bem engomada, lenço no pescoço, jaqueta frisada e o obrigatório crachá.

Tudo aquilo estava agora no meu corpo. Vesti aquele uniforme pela primeira vez, do jeito mais correto que consegui. Meu nome estava naquela plaquinha, o que era uma grande honra, e eu a usava com orgulho, entusiasmo, até certa solenidade: era o início de um sonho magnífico.

Queria tirar outra foto e mandar para Stefania. O sorriso desta foto seria sincero, ao contrário daquele nas fotos tiradas para a seleção. Além disso, diria que sentia saudades dela e que gostaria que ela estivesse comigo.

Naquele momento, o nervosismo e a emoção do primeiro voo me deixaram dura.

A cor da jaqueta do uniforme era muito parecida com a das poltronas, e eu me sentia mais próxima delas do que de uma aeromoça "de verdade".

Felizmente, tudo ocorreu bem e, acredito, ninguém percebeu minha apreensão durante todo o voo. Talvez tenha aparecido durante minha primeira demonstração dos procedimentos de segurança.

Todos os olhos estavam sobre mim, e eu não estava preparada para enfrentar de maneira natural aqueles inúmeros olhares que se voltavam para mim.

Senti um rubor nas faces, e as mãos começaram a suar, a tremer um pouco, quando demonstrei como afivelar o cinto de segurança.

Nunca tinha tido nenhum problema para encaixar fivela metálica na fenda, mas, naquela situação, ficou difícil. Tentei segurar o tremor dos dedos que me impedia de encontrar o buraco certo.

Já com o suor escorrendo, consegui terminar aquela estranha demonstração, como uma dança seguida de movimentos de mãos.

Sentia-me como uma atriz em um filme mudo que seguia o texto lido e transmitido pelos alto-falantes do avião, enfatizando com gestos as instruções dadas.

Durante os anúncios de boas-vindas, foi estranho ouvir minha voz ecoar por todo o avião, e só depois de muitos voos fui conseguindo modulá-la melhor, tentando evitar inflexões dialetais, principalmente o "ó" aberto. Os anúncios deviam seguir uma fonética estrita e fechada, e que eu precisava sempre repetir:

“Buongiòorno, benvenuti a bòordo.”

“Benvenuti a Ròoma.”

Dei-me conta de que apertando as bochechas e fechando a boca um pouco, contraindo os lábios e evitando as nasalizações, conseguia encurtar o som:

“Buongiòorno”, “bòordo” e “Ròoma” finalmente viraram “Buongiorno”, “bordo”, “Roma”.

Depois de um voo doméstico entre Roma e Bolonha e uma viagem internacional logo em seguida de Bolonha a Paris, cheguei ao destino final, embora aquele maldito "ó" ainda me acompanhasse.

Depois da despedida dos passageiros, um ônibus me levou para o hotel e, como sempre acontecia, depois de feito o check-in, combinamos de sair para jantar juntos.

 Nos vemos às 20 horas, nada muito formal.

Foi o que me disseram os colegas antes de ir para o quarto trocar de roupa.

Aprendi por minha conta que é importante ser pontual.

Eu estava feliz por estar em boa companhia e por estar sendo guiada por eles, que conheciam bem a região.

Teríamos jantado no famoso restaurante "La Coupole", na Boulevard Montparnasse, conhecido pelo entrecôte e um bom vinho tinto.

Eu teria provado avestruz com o aperitivo, e teria tirado muitas fotos para lembrar a ocasião. Teria mostrado as fotos para Stefania, minha mãe, meu pais, minhas primas. Eu teria sido a princesinha parisiense jantando em um famoso restaurante francês na companhia de pessoas que viajavam, que conheciam o mundo e viviam em hotéis luxuosos. E eu junto a eles, fazia parte daquele sonho que virava realidade.

Achei que não deveria chegar bem no horário combinado no saguão do hotel, pois "uma senhora deve sempre se fazer de difícil". Era assim de onde vim.

Aprendi que "uma colega" não pode fazer isso, porque aquele "nada muito formal" significa: "Máximo de cinco minutos de atraso permitidos".

Jantei sozinha na lanchonete do hotel, que só servia sanduíche na chapa: comi um croque monsieur de presunto e uma ótima soupe d’oignons, vulgarmente conhecida como sopa de cebola. Aqui, tudo era diferente, até a sopa.

 

Na época, eu não era acostumada a comer sozinha em restaurantes e estava envergonhada pela situação. Escondi o embaraço com um livro do Hemingway aberto ao lado do prato e o celular em mãos. As mesinhas eram típicas, pequenas e próximas umas às outras. Ao meu lado, estava uma senhora elegante com cabelo preso, vestindo um conjunto da Chanel.

Na manhã seguinte, depois de visitar a torre Eiffel, uma parada rapidinha pelo Arco do Triunfo e as vitrines cintilantes da Champs-Élysées, almocei apressada no renomado “Relais de Venice” na rue Pereire, e não deixei de passar pelo cabeleireiro "Carita", especialista em makeovers, que cortava o cabelo depois de ter estudado os traços da pessoa e adaptando-o ao formato do rosto.

Uma ilustre colega "entendida", que tinha um corte espetacular e que conheci em trânsito no aeroporto, foi quem me aconselhou o local.

Nunca confie cegamente nos conselhos das colegas. Também aprendi essa.

Com uma franjinha horrível sobre a testa e a conta bancária quase zerada (por sorte eu tinha um cartão de crédito, e o champanhe e os canapés de salmão eram cortesia do cabeleireiro), voltei para o hotel bem na hora de pôr o uniforme, tentar esconder a franja com gel e fechar a mala que, sabe-se lá por que, na volta parece nunca ter a mesma capacidade da vinda, e nenhum voo é exceção.

Desta vez, a falta de espaço era por causa do chapéu retrô que, embora fosse quase certo que nunca conseguiria usar, me fez sonhar e, portanto, não resisti e comprei, depois de tê-lo visto no mercado de pulgas de Saint Queen.

Uma colega do voo me disse que tinha ido para a loja de departamento Lafayette e para outra loja na rue du Bac onde se encontram de sofás de P. Starck a lanternas de bolso do tamanho de uma pilha, de sacolas de compras extravagantes a armários feitos de corda e botões. Anotei para ir da próxima vez que estivesse na cidade.

Logo depois da aterrissagem, os colegas prepararam o "happy landing" em minha honra, um drink à base de espumante e suco de laranja para festejar minha "primeira vez".

Voltei para casa lívida, pronta para mostrar meu chapéu novo para a Eva, a única que apreciaria a compra e que seguramente o pediria emprestado. Pelo menos ele seria usado.

Valentina dormia na cama, exausta de um voo longo e despreparada para a súbita mudança de fuso horário e de temperatura.

Em Buenos Aires, é inverno quando na Itália é verão, e a diferença de fuso é de quatro horas.

Seu corpo achava que era noite, pois estava acordada há treze horas (mais ou menos a duração do voo), mas a luz do sol e aqueles raios tão prepotentes diziam que era hora do almoço, o que era estranho, já que tinha comido a janta no voo poucas horas antes.

Naquela noite, não conseguiria dormir. Infelizmente, eu também não, já que dividíamos o mesmo quarto.

A maquiagem borrada no rosto de Ludovica e seus cachos, que pareciam rebelar-se contra as presilhas exaustas que os continham, confirmavam que ela também precisava de repouso. Suas pernas estavam inchadas como dois pãezinhos por causa da pressurização do avião.

Não é surpresa que seu noivo "não volátil", como todos os futuros maridinhos das aeromoças, iria querer sair na manhã seguinte para um passeio com a amada, que não via com frequência. A hora do almoço seria ideal para almoçar, de tarde um passeio pela cidade e, que grande ideia: "um cineminha depois?"

Também seria inútil tentar explicar a necessidade de um longo repouso, não importava o horário que fosse no meridiano de Greenwich.

É difícil explicar ao namorado que não saímos de férias e que aquelas poltronas macias e reclináveis, com lugar para apoiar os braços, era para os passageiros, não para as aeromoças. Também inútil dizer que não tivemos tempo para assistir ao filme que projetam.

Trabalhamos por muitas horas e chegamos exaustas.

Abro a geladeira e já consigo sentir o gosto do lombo que Valentina trouxe da Argentina e guardou no gelo seco durante o voo.

Na cozinha, vendo a nova faca de cerâmica e os saquinhos de chá verde, adivinho a causa da rebeldia dos cachos de Ludovica: o voo para Tóquio dura pelo menos doze horas, nem mesmo seus penteados sempre impecáveis resistiram. Ludovica, antes de se despedir para o tão necessário repouso pós-voo, deu suas impressões sobre aquela cidade tão frenética que contrasta com a delicadeza de seus habitantes, com aquela extrema timidez que os leva às vezes a rir cobrindo a boca, com seus milhares de reverências ao saudar alguém. Ficou impressionada com aqueles vertiginosos arranha-céus, com as multidões de carros e pedestres nas ruas, com a escrita incompreensível dos ideogramas japoneses. Contou que foi ao mercado de peixes de Tsukiji, o maior do mundo, tão limpo e organizado, que viu papelarias de nove andares e bares que comportam no máximo cinco clientes. Contou que se perdeu em Harajuku, um quarteirão de moda na pequena rua Takeshita, entre pequenas lojas da moda frequentadas por jovens com roupas extravagantes. Descobriu que existem restaurantes chamados Maid Café, onde as atendentes escolhem um cliente e demonstram sua submissão, o massageiam e entretêm com danças e canções, como as antigas gueishas. Nos Butler Cafés, os mordomos atendem mulheres de modo similar. Também nos contou que os preços de máquinas fotográficas e filmadoras novas eram muito bons, mas que também era possível encontrá-las usadas em perfeitas condições, bem como as últimas tecnologias que nem tinham chegado à Itália. Disse também que os relógios de marcas famosas custavam até 35% menos do que nas lojas italianas, e que era possível encontrá-los usados também. Disse, por fim, antes de cair na cama de cansaço, que, em um restaurante chamado Al dente, o espaguete era espetacular, quase melhores do que os italianos, e que adorou a massagem com quiroprata que fez em Shinjuku.

Aprendemos algumas regras simples mas necessárias, que eu anotei em uma folha de papel e prendi na geladeira com o ímã que Valentina comprou em Buenos Aires, com dois dançarinos de tango e a frase “Bienvenido a Argentina”, o primeiro de uma série de ímãs que vinham de todas as partes do mundo que acabaram enterrando a geladeira e escondendo aquele lembrete que no começo foi muito útil para todas nós. Nos anos seguintes, passou a fazer parte de mim.

Ele dizia:

"O que não fazer:

 Não dar a impressão de estar com pressa.

 Nunca falar com os colegas sobre assuntos pessoais durante o serviço.

 Evitar expressões de irritação ou mau-humor, assim como comportamento inconstante.

 Tentar evitar frases imperativas como 'Feche a mesinha!', 'Cinto de segurança!' ou 'Celular!', mas convidar gentilmente o passageiro a seguir as ordens.

 Não falar com os colegas em voz alta.

 Tentar encontrar lugares próximos para pessoas que viajam juntas, fazendo eventuais trocas de assento, e sugerir que cheguem ao check-in com alguma antecedência para ter mais opções de assento.

‘Lembrete’

A- Requisitos básicos: capacidade de garantir a segurança a bordo, responsabilidade e profissionalismo.

B - O passageiro precisa de conforto psicológico, proteção do estresse e do medo de voar.

C - Não pode faltar: cortesia, atenção e disponibilidade durante toda a duração do voo.”

Compreendemos, com o tempo, que nosso comportamento é fundamental para resolver problemas a bordo. Alguns inconvenientes eram alvo de críticas dos passageiros e exigiam alguma intervenção. Conseguir comunicar-se claramente e tentar resolver as dificuldades e problemas que apareciam a bordo nem sempre era fácil. Era sempre necessário levar em conta a gravidade do problema, o contexto, o caráter e o estado emocional do indivíduo com quem nos relacionávamos, porque não se conhece nunca a pessoa com quem nos relacionamos a bordo, as situações que poderiam acontecer e as possibilidades de agravamento que poderiam surgir posteriormente.

Com calma e determinação, era fundamental ajudar, transformando o problema do outro em problema nosso, apresentando-se como uma referência segura, compreendendo as razões do ocorrido para resolvê-lo.

Era importante ouvir o que dizia o outro, mas também olhar a situação de maneira objetiva, informar e explicar com sensibilidade e responsabilidade, indicando com transparência as possíveis soluções.