Atração De Sangue

Tekst
Loe katkendit
Märgi loetuks
Kuidas lugeda raamatut pärast ostmist
Šrift:Väiksem АаSuurem Aa

Abanei a cabeça.

Ambas sem jantar, metemo-nos por baixo dos cobertores, apesar de ainda ser muito cedo.

Não tinha sono nenhum.

A minha mente estava cheia de pensamentos, mas aquele que me martelava a cabeça era: a tia, ou melhor, a irmã Cecília.

Se isto for sequer o seu verdadeiro nome.

Passei uma hora a quebrar a cabeça à procura de um sentido, de uma lógica sobre todo aquele assunto.

Vinte e quatro horas atrás fazia zapping sentada no sofá da sala, enquanto a tia reorganizava a cozinha e agora estava numa cama desconfortadíssima, num quarto de hotel ridículo, com uma mulher talvez desconhecida.

Isto tudo não fazia sentido.

Quero de volta a minha casa e a minha tia.

Apercebia-me que tinha sido mais belo viver na completa ignorância e ilusão, do que ir de encontro à crua e injusta realidade.

Se o padre Dominick tentasse outra vez falar-me de justiça divina, comia-o vivo!

Todavia agora estava ali. Presa naquela absurda realidade, perto da pessoa que, até há bem pouco tempo atrás, adorava mais que tudo, enquanto agora temia não a conhecer realmente.

Não consegui mais estar calada.

«Porque tomaste conta de mim em todos estes longos anos?» perguntei-lhe muito baixinho.

Estava convencida que não tinha ouvido. Não porque dormia. Sabia que não dormia, uma vez que durante o sono ressonava imenso, mas sentia a garganta a arder e o peito pesado que me sufocava e as palavras saíram-me débeis e inseguras.

«Não o imaginas?» respondeu-me com a sua habitual e familiar doçura.

«Porque te ordenaram, certo?».

«Não, tolinha. Porque gosto muito de ti. Ainda que realmente não o sejas, para mim, és a minha menina. És a coisa mais importante da minha vida. Esperava conseguir comunicar-te tudo isto em todos estes anos juntas».

Sim, sabia que me queria bem. Sempre me ajudou nos momentos de dificuldade, esteve sempre pronta a apoiar-me e nunca me fez faltar nada, apesar das diversas restrições económicas. Em tudo o que fazia, demonstrava o seu amor por mim e eu sempre me apercebi disso e recebi-o de braços abertos.

Tinha sido uma mãe, mas também uma amiga, uma vez que por causa da minha saúde, nunca consegui fazer amigos. Todos os meus companheiros sempre foram desconfiados em relação a mim, por viver com uma tia e estar frequentemente doente, para além de ser a inimiga número um de Patty Shue, a amiga número um de todos os outros.

«Sei que me queres bem e também eu te quero bem, mas todas estas novidades fizeram curto-circuito no meu cérebro. Não sei mais quem sou, quem tu és...» desabafei.

«Tens razão. Quis dizer-te a verdade tantas vezes, mas a Ordem proibiu-me terminantemente».

«Podias ter-me dito às escondidas. Fazia de conta que não sabia de nada com o padre August e Dominick».

A tia começou a rir.

Também eu sorri e percebi que tudo tinha ficado como antes.

Cecília era sempre a minha querida tia, que escutava as minhas tontices e se ria delas.

«Escuta, Vera. Tenho muita pena de não te ter dito a verdade, mas fi-lo para o teu bem. Prometo-te que quando encontrarmos o cardeal Siringer, lhe pedirei autorização para te contar toda a verdade. A este ponto, é justo que saibas a história completa» disse a tia muito séria.

«Pois, ainda devo saber quem me quer morta» tentei desdramatizar.

«Nunca permitirei que te façam mal» afirmou determinada.

Naquela noite, a tia não me quis dizer mais nada.

Continuamos a falar toda a noite, mas acerca da nossa antiga vida na quinta, procurando consolo ao menos nas recordações.

ENCONTRO

Na manhã seguinte, a tia e eu levantamo-nos com uma grande fome e um sono terrível, todavia tínhamos todos os sentidos alerta.

Enquanto mudávamos de roupa para descer ao restaurante do hotel para o pequeno-almoço, continuávamos a olhar a porta com medo de vê-la arrombada pelo padre Dominick, devido à enésima tragédia ou a uma nova inesperada fuga.

Quando estávamos prontas para descer, a tia abriu a porta e encontrou diante de si um daqueles dois homens que estavam vestidos de preto, que nos tinham acompanhado a Dublin.

Quando chegamos ao restaurante do hotel para o pequeno-almoço, a tia explicou-me que aqueles dois homens foram escolhidos para defender-me de ataques da parte deles.

«Eles quem?».

«São pessoas devotas ao mal e à obscuridade, prontas a sacrificar a vida dos demais pela deles» explicou rapidamente a tia, adicionando o seu toucinho ao bacon.

«Isso não é instinto de sobrevivência?» perguntei desorientada.

«Não, no caso deles...de qualquer forma agora come» ordenou-me a tia.

Eu tomei um grande pequeno-almoço, mas antes de acabar, chegou o padre Dominick com o rosto tenso e exausto.

Não tinha fechado os olhos toda a noite.

«Bom dia» cumprimentamo-lo.

«Bom dia. Como estão?».

«Cansadas» sussurrou a tia.

«Também eu. Estou de rastos. Para além disso, acabei de receber um telefonema do cardeal Siringer. Temos encontro marcado por volta das três horas, na velha abadia St. George Abbey, nos arredores de Dublin».

Foram as três horas mais longas da minha vida.

Eu, a tia e o padre Dominick estivemos confinados no nosso quarto, com os dois capangas à porta, até à hora marcada.

No quarto não havia nem um televisor para se distrair e a tia e o Dominick mencionavam apenas pessoas das quais eu nunca tinha ouvido falar, que talvez estivessem presentes naquele encontro.

Por fim, deitei-me na cama a pensar, mas a minha mente estava demasiado cansada e afetada por todos aqueles acontecimentos para poder raciocinar claramente.

Adormentei-me ligeiramente e quando reabri os olhos, lá fora chovia a cântaros. Adorava chuva, mas naquele momento só serviu para tornar mais deprimente o pensamento acerca do encontro que iria ter daí a pouco tempo e que certamente mudaria o meu destino para sempre.

Arrastei-me com relutância para a porta, onde dois homens estavam à nossa espera. Escoltaram-nos até à BMW preta que nos levaria a St George Abbey.

Estava um ar húmido e sentia o frio penetrar-me até aos ossos.

Não consegui acalmar o tremor nem mesmo dentro da cabina aquecida do carro.

Meia hora depois estávamos em frente a um edifício de pedra muito velho. Acompanharam-me a uma porta secundaria que conduzia a uma escada. Fiquei curiosa quanto ao piso inferior, imerso na escuridão, do qual se ouvia o som da água que corria. Tentei aproximar-me, mas o padre Dominick empurrou-me para subir ao piso superior.

Olhei-o desconfiada e ele explicou-me brevemente: «Velha cripta em desuso».

Percorremos um longo corredor antes de chegar a uma porta.

Os dois homens pararam.

«Este é o escritório do abade Kirk, membro da Ordem. Entrem. Nós ficaremos aqui de guarda» disse o mais alto, posando a mão sobre o coldre da sua arma, que eu nem tinha notado antes.

Em vez de tranquilizar-me, aquele gesto fez-me entrar em pânico.

Até ali não me tinha dado conta do quanto pudesse estar em perigo.

Entrei naquela majestosa sala com o coração que me batia ferozmente no peito.

No interior estavam cinco homens.

Da roupa, percebi imediatamente que, o que estava sentado na grande secretária, que ocupava quase toda a sala, era o cardeal Siringer. À sua esquerda estava o padre August, que me cumprimentou apenas com um aceno de cabeça e, perto dele estava a enorme figura de um homem grisalho, que o olhava de um modo mais que insistente. Posteriormente, foi-me explicado que se tratava do abade Kirk.

À direita do cardeal estavam outros dois homens musculados e robustos, idênticos àqueles que nos acompanharam até ali.

Depois das diversas formalidades, o cardeal dirigiu-me o seu olhar cinzento serpentino e com uma voz ácida e fria, como a temperatura daquela sala, disse-me: «E assim, és tu a famosa Vera Campbell em carne e osso... Espero que te dês conta da situação».

«Na verdade, eu...».

Não tinha a mais pequena ideia do que estava a acontecer, mas o cardeal já se tinha voltado para a tia e o padre Dominick, para explicar-lhes a atual situação.

«O cardeal Montagnard foi morto com um golpe de pistola para despistar-nos, mas é óbvio que foram eles. Deve haver um espião entre nós... algum dos novos membros da Ordem, suponho. Quem quer que tenha sido, deve ter dito ao grupo do Blake que estávamos na posse de uma arma para derrotá-lo e ao seu grupo de mercenários. Uma vez na posse desta informação, começaram a mexer-se a investigar. Alguns meses atrás, encontramos alguns membros da Ordem torturados e assassinados, mas nenhum de nós pensou em algo do género, até que as fontes secretas do padre August contaram-nos o que tinha acontecido. Ao que parece estavam convencidos que esta arma era um objeto e começaram a procurar no interior das nossas sedes, mas sem resultados, até que alguém mencionou o nome do cardeal Montagnard, como o guardador de tal segredo. Só o Blake seria capaz de usar entrar em terra consagrada devido aos seus grandes poderes, mas nunca pensei que chegaria a tal ponto. Provavelmente descobriu que esta arma era indicada principalmente contra ele, por isso tentou destruí-la de todas as formas. Quando encontrou o cardeal deve ter descoberto que este instrumento era uma pessoa e não um objeto. Infelizmente, ninguém viu ou ouviu nada para além do disparo, o seu escritório e as suas salas privadas estavam organizadas, por isso partimos do princípio de que o cardeal Montagnard tenha falado».

 

«Não acredito. O cardeal Montagnard nunca iria colocar a vida da Vera em perigo» interrompeu-o a tia com a máxima indignação.

«Lamento dizê-lo, mas o cardeal tem que ter confessado, uma vez que esta noite Blake e os outros invadiram a quinta que vos tínhamos concedido para esta missão» revelou o cardeal Siringer com uma voz estrondosa que não admitia replicas.

«O Ahmed!» gritei temendo o pior para aquele que considerava como parte da minha família.

«Não te preocupes. Ele também está em Dublin, neste momento. Esta manhã, as minhas fontes informaram-me que reservou o voo para a Tunísia, previsto para esta tarde. Coloquei um homem nosso a protegê-lo» assegurou-me sem, contudo, suavizar o seu tom de voz.

Agradeci-lhe.

Depois, voltamos ao assunto anterior.

O cardeal Siringer tranquilizou-se e revelou-nos a última descoberta.

«Não sabemos como aconteceu, mas desapareceu toda a documentação acerca da Vera e das suas origens. Alguns dias antes, o cardeal Montagnard contou-me que tinha feito uma descoberta extraordinária que colocaria todos os trunfos da nossa parte.

Tínhamos marcado um encontro para a semana seguinte para falarmos disso pessoalmente. De qualquer forma, o cardeal antes de morrer, conseguiu escrever um bilhete que está a ser analisado neste momento. Acreditamos que esconde uma mensagem em código ou uma indicação particular, mas até agora não foi possível descobrir nada.

«O que dizia a mensagem?» perguntou a tia triste.

«Estava escrito exatamente isto: O amor gera novo amor. Só isto pode salvar da condenação».

Olhamo-nos todos um pouco atordoados.

Com todas as coisas que podia escrever nos últimos instantes de vida, escolheu uma frase bastante óbvia. Era um típico ensinamento de catequese. Lembrava-me tanto os ensinamentos do padre Dominick. Ele dizia-mo frequentemente.

«Mais nada?» tentou perguntar a tia.

«Não, com exceção a alguns papéis relacionados com árvores genealógicas de famílias de origem humilde que trabalhavam na mina, que ressaem a quatrocentos anos atrás».

Entre eles caiu o silêncio, mas antes que o cardeal abrisse novamente a boca, quis aproveitar para clarear as ideias de uma vez por todas.

«Desculpe-me, mas quem são eles? Não posso acreditar que tudo isto esteja a acontecer por minha culpa» perguntei timidamente ao cardeal.

Este último ficou todo vermelho e lançou um olhar furioso à tia e ao padre Dominick.

«Não sabe de nada? Mas como puderam esconder-lhe que existe um grupo de vampiros que está a revirar a cidade à procura dela para matá-la!».

Vampiros? Talvez percebi mal, mas não usei repetir aquela palavra para não ser ridicularizada.

«Um grupo de?» perguntei novamente, procurando o olhar da tia, que teimava em fixar a ponta dos seus pés com um ar culpado.

«Vampiros! Tens presente aqueles homens que rejeitam a graça divina para ressuscitar e nutrir-se de sangue humano?» gozou o cardeal, ao ver a minha expressão mista de descrença e medo.

Naquele momento, tentei lembrar-me de todos os vampiros que tinha visto na minha vida na televisão, mas não me vinha à mente nada a não ser um desenho animado que eu via aos sete anos, no qual o protagonista era um fantoche vampiro covarde, mas com um coração bom.

Duvidava que os vampiros de que me falava o cardeal fossem semelhantes ao fantoche.

«Não sabia que existiam realmente» gaguejei.

«Ninguém o sabe, porque a Ordem da Cruz Ensanguentada tem precisamente o dever de manter escondida esta realidade. Todavia existem e como! É muito difícil encontrá-los porque podem transformar-se noutras criaturas e têm uma força sobrenatural. É impossível matar ou capturar um deles, sem primeiro enfraquecê-lo com água benta ou prata...».

«Mas então para que servem as armas que tinham os dois homens que nos acompanharam até aqui?» perguntei.

«Os nossos guardas possuem armas muito especiais, carregadas com projéteis de prata pura» explicou-me orgulhoso.

«E depois?».

«Depois queimamo-los».

«E este Blake, porque é considerado tão perigoso?».

«Porque ele é diferente de todos os outros. Ele é o único vampiro imune à prata ou a outra coisa qualquer, mas o cardeal Montagnard descobriu que em ti existe a arma capaz de o derrotar. Ele é a fonte dos nossos problemas, porque por cada vampiro queimado, ele transforma em vampiros outros dois... é muito bom nisto porque consegue controlar-se quando se alimenta, deixando assim as vítimas suspensas entre a vida e a morte, até cederem ao vampirismo e, muitas vezes, depois decidem segui-lo, ainda que geralmente os vampiros sejam criaturas solitárias e não gostem de ligações com outros senão por breves períodos».

«Mas porque me quer logo a mim?» insisti com força.

«Esse é o verdadeiro segredo que o cardeal Montagnard levou para o túmulo. Sei apenas que és especial por causa do teu sangue. Acreditas realmente que te manteria com aquela renda mensal por todos estes anos se não fosse por um motivo bem preciso? Ao que parece, a tua anemia torna-te única, mas creio que isto seja simplesmente devido ao facto que...» comentou o eclesiástico, mas antes de terminar a frase, ouviram-se disparos, do lado de fora da porta.

Assustamo-nos todos ao mesmo tempo, antes que os dois homens arrombassem a porta, gritando-nos de escapar.

«Como souberam que estavam aqui?» perguntou enlouquecido o abade, que tinha ficado em silêncio até agora.

«Não importa. Depressa, Matt, leva a Vera para os subterrâneos. Atravessem a cripta. Ali encontrarão uma pequena porta, onde podem enfiar-vos. Sigam o túnel que vai dar a uma escada, que vos levará ao interior de um edifício abandonado de Change Lane» ordenou de forma autoritária o cardeal a um dos dois homens à sua direita. Sem perder mais tempo, Matt agarrou-me pelo braço e levou-me para fora da sala, mas eu não tinha nenhuma intenção de abandonar a tia. Ela era toda a minha família e não queria deixá-la.

Tentei protestar, mas a minha voz foi abafada pelos gritos do padre August e pelas ordens do cardeal.

Também a tia procurou alcançar-me, mas foi impedida pelo cardeal em pessoa.

Por fim, gritei com todas as forças o nome da tia, procurando libertar-me do punho de ferro daquele homem.

«Ela pertence à Ordem e deve combater» disse-me Matt, tentando arrastar-me pelo corredor até às escadas, à direita.

Numa tentativa desesperada de rever a tia, que tinha ficado dentro do escritório do abade, voltei-me e vi pela primeira vez três homens encapuçados, que vinham do outro lado do corredor a correr na nossa direção. Mal chegaram à sala, tiraram o capuz.

Os três tinham os cabelos negros. Dois deles entraram imediatamente na sala, soltando um grito arrepiante e desumano, que me provocou calafrios por todo o corpo.

Ao invés, o terceiro homem parou e fixou-me. Por um instante, os nossos olhares se cruzaram.

Notei os seus olhos azuis, quase cor de gelo, que me penetravam como um animal perante a sua presa.

Senti-me atravessada por aquelas lâminas de gelo.

Permaneci por um instante maravilhada pelo seu rosto. Era jovem.

Não sei porquê, mas esperava um velho, não um rapaz que deveria ser da mesma idade do Kevin.

Tinha um rosto muito belo, com exceção da expressão dura e ameaçadora. O meu olhar posou brevemente sobre a sua boca e li neles: «É ela».

Não consegui decifrar mais nada, porque tropecei pelas escadas.

Felizmente, o Matt segurou-me firmemente e agarrou-me para eu não cair.

Corremos rapidamente pelas escadas abaixo, até chegar à cripta escura.

Não via quase nada, mas o Matt continuava a correr, até chegar a uma zona um pouco mais iluminada.

Aos poucos, os meus olhos habituaram-se àquela escuridão.

O chão estava todo molhado e molhei os sapatos.

A dada altura, o homem parou, olhando com atenção em redor.

«O Blake está perto. Consigo senti-lo».

Não ouvia nada, mas assustei-me na mesma quando vi que tirou a arma do coldre.

Olhei à volta, mas não vi nada. Estava demasiado escuro.

De repente, vislumbrei uma sombra cair sobre o Matt.

Era o homem com os olhos azuis. Um vampiro.

Matt apontou-lhe a arma e disparou, mas este deu-lhe um golpe veloz e potente contra a mão, que o fez perder a arma e o projétil disparou no escuro.

«Foge!» gritou-me Matt, antes de defender-se de um novo ataque.

Não foi preciso repetir duas vezes, ainda que fosse de novo encantada pelo olhar daquele vampiro que me fixava de forma ameaçadora.

Sem perder tempo, corri rapidamente até ao fundo da cripta. Devia ser um lugar enorme.

Estava cansada, assustada e sozinha.

Por fim, cheguei à porta de que tinha falado o cardeal.

Tentei abri-la, mas estava bloqueada.

Dei cabo das minhas mãos ao tentar abri-la, mas não consegui fazê-lo, apesar dos meus esforços.

Não sabia o que fazer, assim, acabei por desistir e pôs-me à procura de um esconderijo alternativo.

Vi uma pequena sala escondida à minha esquerda e entrei.

Estava vazia, mas havia uma pequena cavidade, pouco visível, mesmo ao lado da entrada.

Decidi parar ali e esperar, agachada por terra. Esperava que o Matt me alcançasse em breve.

Já não sentia praticamente nenhum barulho.

Desejava voltar para junto da minha tia. Nunca me tinha afastado dela e não desejava certamente fazê-lo logo agora que estava em perigo. Estava também tremendamente preocupada com ela. Desejava com todo o meu coração que não lhe tivesse acontecido nada de mal.

Sem me aperceber, senti escorrer-me pela face duas grandes silenciosas lágrimas quentes.

Em breve, fui invadida por soluços e calafrios.

Tinha medo.

Queria voltar a casa, junto do Ahmed, com a tia e o padre Dominick.

Sentia-me sozinha e desesperada.

Tremia perante o pensamento que pudesse acontecer alguma coisa de mau a todos eles.

E a culpa era só minha.

Eu e a minha anemia.

Porque tinha que acontecer logo a mim?

Odiava-me. Com o meu nascimento tinha causado apenas preocupações e mortes. Desejava nunca ter nascido.

Continuava tão embrenhada na minha dor entre os soluços, que nem me apercebi de como o tempo passou. Nem tive coragem de me mexer.

Lembro-me apenas que a dada altura, alguma coisa me tocou, assustando-me de morte.

Procurei por todo o lado uma figura humana, mas acabei por encontrar apenas um gato que me olhava com dois olhos lindíssimos que brilhavam no escuro.

Procurei acariciá-lo e ele esfregou-se nas minhas pernas a ronronar.

Aquele pequeno gesto, me fez sorrir.

«E tu, que fazes aqui, pequenino?» sussurrei-lhe com a voz rouca do choro.

O gato continuou a enroscar-se em mim.

Por fim, saltou-me dos braços.

Consegui vê-lo melhor, apesar da vista desfocada pelas lágrimas e pela escuridão. Tinha o pelo claro, o focinho esfumado de preto e os olhos emanavam uma luz dourada.

Fiquei muito surpresa por encontrar um gato logo naquele momento.

Sempre desejei ter um gato, mas a tia era tremendamente alérgica ao pelo deles, assim nunca tinha conseguido ter um. Nem mesmo quando encontrei um pequeno rafeiro preto na estrada e fechei-o todo o dia no quarto para a tia não o ver, consegui ficar com um.

Lembro-me como a tia começou imediatamente a espirrar e a respirar mal, logo contei-lhe que tinha encontrado um gatinho.

Veio-me à mente a sua cara perturbada, enquanto dizia-me para levá-lo dali para fora o quanto antes.

Acabou por me salvar o padre Dominick que levou o gato, prometendo-me que lhe ia encontrar uma família amável capaz de cuidar dele.

Quem sabe que fim teve aquele gatinho?

Não soube mais nada dele.

De qualquer forma, depois daquele episódio, passou-me a vontade de ter um gato.

Naquele momento, aquele gato pareceu-me uma pequena consolação divina, para ajudar-me a não me sentir tão sozinha.

Era a primeira vez que estava sem a minha tia e isso fazia-me sentir perdida, sobretudo nesta situação, onde arriscava de morrer.

Queria a minha vida de volta.

Fico devastada ao pensar em tudo aquilo que tinha perdido.

Recomecei a chorar, sem me dar conta que algumas lágrimas caíam sobre o pelo do gato, que, entretanto, continuava a acariciar delicadamente.

 

Não sabia quanto tempo tinha passado, mas sentir nas mãos o pelo suave do gato tranquilizou-me e relaxou-me de tal forma que, acabei por adormecer esgotada pelas emoções.

Não era um verdadeiro sono profundo.

Na minha mente continuavam a passar imagens de todo o tipo, relacionadas com o passado e com o presente, mas em todo o lado estavam aqueles olhos azuis que me prometiam morte.

Acabei por acordar sobressaltada.

Senti-me desorientada, mas o solo duro, a parede fria contra as minhas costas e a posição desconfortável recordaram-me imediatamente onde me encontrava.

Rapidamente, tentei lembrar os últimos acontecimentos.

O gato.

Não estava mais sobre as minhas pernas e não sabia onde estava.

«Gatinho, onde estás?» sussurrei, procurando-o com o olhar no escuro da sala.

«Foi-se embora» murmurou uma voz da outra parte da pequena sala, fazendo-me saltar de medo.

«Matt?» pronunciei esperançosa.

Logo a seguir, ouvi passos lentos na minha direção.

De repente, uma figura preta aproximou-se na minha frente.

Reconheci os sapatos pretos.

Depois o meu olhar levantou-se em direção às calças. Pretas.

De seguida, um longo impermeável de pele negra, aberto à frente deixava entrever uma camisa de seda negra ligeiramente desabotoada.

Não me lembrava que Matt usasse um impermeável.

Tomada pelo nervosismo, levantei ainda mais rapidamente o olhar, até que ficou novamente refém daqueles olhos azuis, que conseguiam destacar-se apesar da pouca luz. Era ele. O vampiro.

Sufoquei um grito.

O meu medo fê-lo dobrar os ângulos da boca num sorriso satisfeito, mas ao mesmo tempo ameaçador.

«Não sou o Matt, desculpa-me. Apresento-me. Blake» apresentou-se, fazendo uma vénia. Apesar daquela aparente gentileza, mostrava perfeitamente a sua satisfação cruel por ter-me encontrado.

Blake. Era ele. O vampiro invencível que me queria morta a todos os custos.

Continuei a olhá-lo fixamente, sem me aperceber que me tinha estendido a mão para me ajudar a levantar.

Apercebi-me que não tinha forma de fuga, mas procurei levantar-me sem ele. Tinha demasiado medo de tocá-lo.

Apoiei-me na parede gelada e levantei-me, apesar da dor nas pernas, que tinham ficado encolhidas numa má posição por não sei quanto tempo. Senti imediatamente um formigueiro nos pés e isso fez-me perder o equilíbrio por um instante, mas o vampiro com um movimento rápido segurou-me por um braço e ergueu-me.

Aquele gesto repentino me fez ficar aterrorizada.

Se estivéssemos numa outra situação, tinha-lhe agradecido de bom grado, mas naquele momento apercebi-me apenas que estava nas mãos do inimigo.

Procurei libertar-me com um empurrão, mas o seu punho era firme e depois da minha tentativa tornou-se ainda mais rígido, quase doloroso.

«Vamos» ordenou-me com um tom de voz que não admitia réplicas.

«Onde me levas?» perguntei hesitante tentando manter a distância.

«Para fora daqui» respondeu-me distraidamente, acompanhando-me à porta pela qual devíamos escapar eu e o Matt.

Não pronunciei uma palavra, mas sabia que aquela porta não se abria, assim teríamos que voltar para trás e talvez pudesse pedir ajuda quando chegássemos.

Embalada pelas minhas esperanças, deixei-me transportar sem protestar.

Blake forçou um pouco a porta, sem deixar o meu braço e esta abriu-se rangendo.

Vi todas as minhas esperanças desaparecerem, mas não tinha nenhuma intenção de ir-me embora sem ao menos voltar a ver a minha tia.

Comecei assim a fincar os pés, apesar do formigueiro que ainda me incomodava.

«Espere, quero ver a minha tia Cecília» supliquei-lhe.

«Não» respondeu-me simplesmente, continuando a arrastar-me pelo novo corredor que aparecia diante de nós.

Naquele caso, não aceitava uma resposta do género.

«Não vou embora daqui sem a minha tia!» levantei a voz estridente com toda a minha coragem.

O vampiro parou e voltou-se para mim com um olhar assassino.

Não me interessava se tinha provocado o seu instinto sanguinário, não tinha intenção de ceder facilmente.

Estava numa pilha de nervos. Sentia novamente as lágrimas roçarem-me os olhos, mas correspondi na mesma o seu olhar.

«Agora saímos daqui, sem a tua tia e tu vais parar de gritar. Fui bem claro?».

«Não» murmurei desesperada.

«Preferes que te mate aqui agora?» gritou já irritado pela minha insistência.

Parecia que me tinha esbofeteado, de tal forma foi violenta a frase.

Não consegui acrescentar mais nada.

Rendi-me ao seu punho e ao seu passo determinado e rápido.

De repente, tropecei nalguma coisa que sujava o chão e caí desastradamente por terra, raspando o joelho e rasgando as calças naquele lugar.

Mal vi sair sangue da ferida, cobri imediatamente o joelho por medo de que a visão do sangue o excitasse, uma vez que era um vampiro.

Olhei-o, à espera que não tivesse visto a cena, mas ele já estava ali a olhar-me fixamente indiferente.

«Está tranquila, não perco a cabeça por duas gostas de sangue» desabafou irritado como se me tivesse lido a mente.

Como comecei a cambalear, abrandou o passo.

Por fim, chegamos a uma escada de madeira que conduzia a um alçapão escondido no sótão.

«Tenho que a abrir. Tu, ficas aqui. Aí de ti se tentas escapar. Juro que te volto a apanhar e faço-te pagar» ameaçou-me, deixando-me o braço.

Olhou-me fixamente mais um instante e depois começou a subir as escadas.

Mal chegou ao cimo, começou a arrombar a fechadura.

Tinha chegado a hora.

A hora de escapar.

Estava prestes a abrir o alçapão, depois de ter arrombado o cadeado com as mãos que pareciam garras de aço.

Sem perder mais tempo, comecei a correr apesar da dor no joelho ferido.

Corri a toda a velocidade. O importante era não olhar para trás e ter sempre em vista a meta.

Senti um grito de raiva atrás de mim, mas não fiz caso e corri ainda mais rapidamente que antes.

Por sorte, tinha tomado uma hemodose há pouco tempo, por isso estava em forma.

Mais uns metros e chegaria às escadas para subir para a abadia.

Já tocava o corrimão. Mais um passo e...

Senti um aperto no meu braço esquerdo e depois cobriu-me completamente, tirando-me o fôlego.

Fui atirada para trás contra o seu peito.

Blake tinha-me apanhado.

Voltei-me e gritei-lhe na cara: «Deixa-me!».

Nem sabia de onde vinha a coragem para enfrentá-lo assim tão abertamente, mas não aguentava mais. Estava prestes a explodir e não me importava se queria matar-me naquele momento.

Recusava de fazer a pobre vítima indefesa. Sentia uma força e um orgulho crescerem dentro de mim.

Olhei o seu rosto incrédulo perante a minha reação.

«Quero a minha tia, está claro?» repeti a dose.

«A tua tia não está mais aqui. Toda a abadia foi evacuada há três horas atrás» explicou-me com calma.

«Para onde foram?» perguntei baixinho, transtornada pela ideia de ter sido abandonada.

«Não me interessa. Encontrei o que procurava».

Ignorei a sua alusão.

«Quero apenas saber se está bem».

«Acho que sim».

«Achas?»

«Quando fugiu com o cardeal, estava a sangrar do braço. Foi isto que me disseram» disse Blake apressado.

Por momentos, as pernas cederam de alívio ao saber que ainda estava viva, ainda que ferida.

Suspirei profundamente por um instante, mas foi preciso apenas uma fração de segundo para perceber que fiquei sozinha.

«Bem, vamos agora?» ele perguntou com um tom de voz que não aceitava certamente um não como resposta.

Não sabia mesmo o que fazer, mas por agora estava sozinha e a força do vampiro era claramente maior que a minha.

Ninguém viria proteger-me, nem mesmo o Matt.

«E o Matt?»

«Se por Matt queres dizer o homem que te escoltava, eu tratei dele»

«O que queres dizer com isso?» gaguejei recusando pensar que estava morto por minha culpa.

«Nada. Agora vamos».

«Mas eu...».

«Chega de perguntas. Trata de caminhar e depressa» ordenou, arrastando-me novamente para o alçapão aberto.

Senti o joelho latejar e estava exausta, mas não queria apoiar-me nele.

Subir a escada foi uma verdadeira tortura. O joelho continuava a esbarrar nos degraus. Além disso, começava a sentir o cansaço da corrida. Sabia que com os meus problemas de saúde, devia evitar demasiada atividade física, caso contrário, seria necessário tomar uma hemodose antes do habitual e, naquele caso, não fazia ideia como obtê-la.